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O processo eleitoral brasileiro suscitou um conjunto de debates sobre a disseminação das chamadas “fake news”, especialmente sobre o papel que elas têm nas escolhas dos eleitores. Nos últimos anos, o mundo tem visto o crescimento de denúncias de que processos eleitorais estão sendo decididos com o uso massivo de notícias falsas, disseminadas com estratégias que direcionam tais notícias aos eleitores com o uso de big data.

O processo eleitoral é um momento no qual, para decidir sobre quem será titular de cargos centrais na Administração, a sociedade vê a confrontação entre diversas concepções políticas. Através de um debate o mais aberto possível, os eleitores conhecem o que pensam partidos e candidatos sobre questões que devem ser equacionadas pelos eleitos. A postura ética esperada de quem se apresenta em um processo eleitoral é a sincera exposição de seus propósitos.

No entanto, a mentira sempre foi um elemento utilizado na política. Especialmente nos pequenos colégios eleitorais, não é difícil encontrar exemplos de eleições decididas pelo uso de acusações mentirosas contra um partido ou candidato. Boatos lançados para determinados públicos, com fins político-eleitorais, já comprometeram diversas reputações e foram decisivos em eleições.

Também não é novidade o direcionamento do marketing político ao perfil do eleitor. Pesquisas qualitativas, com grupos focais, são utilizadas há muito tempo para decidir o que funciona e o que não funciona com o eleitorado. São escolhidas pessoas representativas da diversidade do eleitorado, que são colocadas em discussões em grupos, com observadores que aquilatam a eficácia ou não de determinada estratégia.

O que acontece, hoje, com a internet é que o seu alcance e sua velocidade dão outro impacto à disseminação da mentira e, ainda, a precisão que é possível ter na definição do público alvo das “fake news”. Para isso, é utiliza-se big data. Diariamente, fornecemos um grande volume de dados sobre nossas escolhas a sites e às redes sociais, com temas que pesquisamos, com o registro de reações, com aprovação ou desaprovação de reportagens, fotos e outros conteúdos postados nessas redes. Com eles, é possível direcionar, por exemplo, uma publicidade comercial para necessidades específicas do usuário-consumidor. O uso dessas informações na disseminação de “fake news” pode ser destrutivo para a democracia.

Neste espaço, em texto anterior, chamei atenção para os riscos que as respostas estatais ao problema veiculam. Sob a justificativa de que se vai combater a disseminação de “fake news”, o Estado pode construir instrumentos para controlar a disseminação de mensagens indesejadas, classificando como falsas informações inconvenientes aos que detêm o poder político. Vivemos esse paradoxo: estamos entre o as ameaças do veneno e os riscos do antídoto.

Porém, a inércia pode ser fatal para a democracia. Um rápido olhar sobre o trabalho das agências criadas para investigar a veracidade de informações que viralizaram no processo eleitoral brasileiro mostra que o problema é gigante. Tanto pelo número de informações que precisaram ser desmentidas, como pelo tipo de informação falsa que foi disseminada. Muitas das “fake news” estavam focadas em questões morais, trabalhando com medos e preconceitos comuns no eleitorado.

Mesmo quem não acredita que o problema seja tão grande, por não ver tais informações falsas como principais razões para a escolha eleitoral, precisa reconhecer, no mínimo, que elas acabam desvirtuando o debate eleitoral, trazendo para o centro questões que não dizem respeito às funções que serão exercidas pelos eleitos. Ofuscam temas importantes como o papel do Estado na economia ou a gestão do patrimônio público. Os candidatos gastam muita energia contestando tais notícias e dedicam pouco tempo a defender suas propostas e contestar as dos adversários.

O uso massivo das mentiras distribuídas com estratégias de direcionamento a eleitores segundo seu perfil coloca no jogo político indivíduos e grupos que dificilmente teriam espaço na estrutura tradicional das democracias constitucionais. Dá protagonismo aos que estavam, anteriormente, presos a um submundo. Passam por cima de instituições como veículos tradicionais de mídia e partidos políticos, que, para o bem ou para o mal, servem de filtros para evitar posições populistas e extremadas.

Não sabemos, ainda, quais as melhores medidas compatíveis com o Estado constitucional que são eficazes contra essa grave ameaça. Mas é possível concluir que, se não fizermos nada, todas as democracias do mundo estarão em risco nos próximos anos.