Ilustração: João Grego

Há um consenso quanto à existência de diversas ameaças à democracia na internet. Notícias falsas e discursos de ódio sempre estiveram presentes em processos eleitorais. No entanto, esses problemas apresentam novas dimensões especificamente relacionadas ao espaço da internet. O alcance global e a velocidade da disseminação da informação na internet tornam difícil retificar ou negar informações falsas e discursos ofensivos. Hoje, as redes sociais têm um papel de destaque nesse problema.

Após as últimas eleições presidenciais norte-americanas, o uso de notícias falsas em campanha – as “fake news” – tomou outra dimensão e passou a ser amplamente discutido. Foram identificados usos frequentes de fake news por apoiadores dos dois candidatos. Inclusive, após o encerramento do processo, muitas pessoas questionaram os resultados em razão do número muito grande de notícias falsas utilizadas a favor de Trump.

Em uma tentativa de entender o fenômeno nas eleições norte-americanas de 2016, Hunt Allcott e Matthew Gentzkow estudaram os possíveis impactos das fake news nas decisões dos eleitores. Eles constataram que os principais consumidores de notícias falsas favoráveis a um determinado candidato são eleitores já predispostos a votar naquele candidato. Isso sugere que o consumo de notícias falsas acontece principalmente em bolhas, o que reduz o impacto eleitoral de tais notícias.

Evidentemente, a pesquisa tem limitações, já que trabalha com as informações que os eleitores repassam respondendo a um questionário. Depende, portanto, da memória dos eleitores, que muitas vezes podem lembrar de umas notícias e de outras não, e da sinceridade das respostas. No entanto, mesmo que aceitemos a ideia de que a disseminação das notícias falsas acontece principalmente em bolhas, o problema para a democracia continua existindo. Sem serem influenciados por notícias faltas, apoiadores poderiam, em tese, estar mais abertos a uma possível mudança da sua posição quando expostos a um debate honesto, com notícias mais confiáveis e com diversidade de opiniões.

O problema tem sido objeto de preocupação no mundo inteiro. Existe hoje, por todo o mundo, diversas iniciativas que visam combater algumas das ameaças e, ainda, novas propostas surgirão a curto prazo, dada a premência do debate. Recentemente, o governo francês divulgou, na primeira conferência à imprensa do ano, que irá construir uma legislação contra o uso político de notícias falsas. É um caso que ilustra bem o problema que estamos destacando, já que o discurso foi fortemente ancorado na defesa da democracia. O anúncio foi bem recebido pela população, já que o problema é amplamente reconhecido. Apesar do apoio popular, as respostas do governo causaram preocupação.

No Brasil, a Polícia Federal instituiu um grupo de trabalho para propor medidas contra a disseminação de fake news nas eleições. Ainda são poucas as notícias sobre o que se pretende, mas já dá para notar que passam as pretensões por restrições de direitos e por aumento do poder de instituições repressivas.

Outro problema relevante é a manipulação de comportamentos dos cidadãos a partir do uso não transparente de big data. A expressão é utilizada para dar nome ao grande volume de informações estruturadas ou não hoje disponíveis. Redes sociais, como Facebook e Twitter, fazem uso de uma série de dados dos usuários para, por exemplo, decidir com quem eles irão interagir e a quais informações serão expostos.

Dados pessoais dos eleitores são amplamente utilizados por equipes de marketing eleitoral. É legítimo que os participantes das disputas por cargos queiram conhecer o perfil dos eleitores com os quais irão dialogar para que a mensagem a ser direcionada seja a mais eficaz possível. Mas é muito perigoso o uso manipulativo de dados sobre desejos e comportamentos dos eleitores, especialmente quando servem para municiar campanhas que utilizam trolls e robôs.

Os constitucionalistas precisam entrar nesse debate e alertar as autoridades sobre o quanto estas precisam ser cuidadosas na adoção de medidas repressivas. É necessário demonstrar que algumas possíveis decisões públicas que visam a repressão de comportamentos de usuários da internet que ameaçam a democracia podem apresentar, também, riscos para a democracia. As repostas aos problemas podem ser tão perigosas quanto os próprios problemas.

Uma das maiores preocupações na luta contra as notícias falsas é a questão da legitimação de quem decidirá que sobre essa natureza da notícia. Quem tem o poder de decidir se uma notícia é verdadeira, falsa ou ofensiva pode abusar desse poder. Há o risco de que governantes persigam dissidentes em nome da repressão a ameaças à democracia na internet. Também deve-se temer uma descontrolada expansão de instituições repressivas, já tão agigantadas nas democracias ocidentais.

Não obstante a existência de tais riscos, é necessário que exista alguma atuação para minimizar as ameaças aqui referidas. Posições mais radicais em defesa da liberdade expressão, que defendem a legitimidade de qualquer conteúdo são caminhos seguros para não legitimar censuras, mas deixam intocados problemas que precisam efetivamente de respostas, sob risco de causarem danos à democracia.

Estratégias já adotadas pela sociedade civil contra a disseminação de notícias falsas ainda parecem limitadas. Dentre essas estratégias, está a disponibilização de plataformas nas quais são expostos sites nos quais são frequentemente veiculadas notícias falsas. No entanto, para terem efetividade, precisam de uma postura específica dos consumidores de notícias, que precisam consultar tais plataformas antes de confiarem na informação chega até eles por meio das redes sociais.