Pode o subalterno falar?
A escritora nigeriana Chimamanda Adichie, em “O perigo da história única” traz uma reflexão importante sobre poder:
“É impossível falar sobre história única sem falar de poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkhali”. É um substantivo que livremente se traduz: “ser maior que o outro”. Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do “nkhali”. Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa.”
A historiografia tradicional é contada pelo ponto de vista dos vencidos, para citar Walter Benjamin. Nesse sentido, antes de falarmos em liberdade de expressão, é necessário constituir quem é o sujeito que sempre foi autorizado a falar, e mais, a refutar uma história pautada num ponto de vista masculino e branco, o que Derrida chama de falo logo centrismo. Existe um silenciamento histórico dos grupos discriminados.
Expressar-se não é um direito garantido a todos de forma igual, além da proibição, existe a hierarquia de legitimidade de vozes, logo é preciso discutir poder como estrutura.
Para falar em liberdade de expressão, além de se pautar o direito – não absoluto – de se emitir opiniões e fala, como comumente é feito, acredito ser necessário começar pelo monopólio midiático. Dentro da estrutura das empresas de comunicação, incluindo a internet, quem são as pessoas que ocupam esse lugar e qual o discurso que proferem. Faz-se urgente o debate sobre a democratização das mídias e esse precisa ser feito, principalmente, por aqueles que nunca tiveram voz.
Com todos os limites, o espaço virtual tem sido um espaço de disputas de narrativas, pessoas de grupos historicamente discriminados encontraram aí um lugar de existir. Seja na criação de páginas, sites, canais de vídeos, blogs. Existe nesse espaço uma disputa de narrativa, mas ainda aquém do ideal por conta das barreiras institucionais que impedem o acesso de vozes dissonantes. Friso que mesmo diante desses limites, essas vozes conseguem produzir ruídos e rachaduras na narrativa hegemônica, o que muitas vezes, desonestamente, faz com que essas vozes sejam acusadas de agressivas justamente por lutarem contra a violência do silêncio imposto. O grupo que sempre teve o poder, numa inversão lógica e falsa simétrica causada pelo medo de não ser único, incomoda-se com os levantes de vozes. Porém, ainda é preciso fazer o debate estrutural. Como diz Luiz Gushiken, no prefácio de “Comunicação Pública”, “As relações entre Estado, Mídia e Sociedade só tem sentido se a comunicação for pensada como possibilidade de adotar a perspectiva do outro, o que tem valor inestimável para a democracia e resgata, em meio ao individualismo exacerbado, a preocupação com o bem público e com a noção de coletividade”.
É preciso combater a história única em todos os espaços para que de fato possamos falar sobre a liberdade de se expressar.
“Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história, sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso”, nos ensina Chimamanda.