Ilustração: Paola Hiroki

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça abriu investigação que pode levar à punição dos juízes André Nicolitt, Cristiana Cordeiro, Rubens Casara e Simone Nacif do Rio de Janeiro por terem participaram de ato público contra o impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff. O ato intitulado “Funk Contra o Golpe” ocorreu em 17 de abril de 2016 e foi organizado pelo Furacão 2000.

A abertura do processo coloca em debate se a assunção da condição de magistrado limita a liberdade de expressão do indivíduo e, caso a resposta seja positiva, quais limites são passíveis de serem aplicados.

Em uma análise superficial do caso, é possível notar que não parece existir uma preocupação do órgão de controle em afirmar um padrão de comportamento para magistrados, válido para qualquer tipo de opinião emitida. Ministros do Supremo Tribunal Federal são habitués dos debates políticos nacionais, opinando sobre os mais variados temas. Também não foram poucos os magistrados que, por todo o país, participaram de atos públicos pelo impeachment. A abertura do processo contra os quatro magistrados parece representar, apenas, uma tentativa de intimidação de um tipo específico de opinião.

É evidente que um indivíduo não perde a sua liberdade de expressão ao assumir a condição de magistrado. Continua a ostentar, em paralelo, a condição de cidadão e, por isso, faz opções políticas, podendo expressá-las. Por outro lado, a posição que assume exige certos cuidados na conduta pública, o que justifica algumas restrições à sua liberdade de expressão.

A Constituição da República não traz restrição aos magistrados que envolva a sua liberdade de expressão. A vedação do art. 95, Parágrafo Único, III, de “dedicar-se à atividade político-partidária” não é aplicável ao caso, já que a manifestação contra o impeachment era suprapartidária, como eram suprapartidárias as manifestações pelo impeachment.

No entanto, o “Estatuto da Magistratura” não se limita ao que é tratado na Constituição. Na legislação infraconstitucional, a Lei Complementar n. 35/1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, traz dispositivo que diretamente impacta na liberdade de expressão dos magistrados:

Art. 36 – É vedado ao magistrado:

(…)

III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

É evidente que também não há qualquer relação entre essa restrição e o caso dos juízes sob ameaça de punição. A restrição contida na lei é voltada a preservar a própria atividade do Judiciário, impedindo que juízes façam manifestações públicas sobre processos sob análise de órgãos jurisdicionais. Faz ressalvas que protegem atos processuais, publicações e atividade de magistério. Mas é necessário, ainda, ir além desses atos específicos, restringindo a aplicação da regra a situações nas quais a crítica feita pelo magistrado comprometa de alguma forma a função jurisdicional, sendo possível uma crítica a atos jurisdicionais em processos que não estejam sob a sua responsabilidade.

Ironicamente, esse dever de discrição que a lei consagra goza hoje de pouco prestígio por parte de membros de tribunais superiores, sendo comum ministros do Supremo Tribunal Federal manifestarem-se fora dos autos sobre votos ou decisões de colegas de tribunal ou de outros magistrados.

Há, na mesma lei, dispositivo voltado a proteger o magistrado em suas manifestações, seja ao exprimir opiniões, seja ao proferir uma decisão. Lamentavelmente, o artigo que traz essa proteção deixa margem a arbitrariedades, já que usa um termo vago para definir uma exceção à regra, ressalvando casos de “impropriedade”:

Art. 41 – Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

Como uma exceção à regra da proteção, o termo precisa ser interpretado restritivamente. Não pode ser utilizada a ressalva como álibi para a perseguição de posições políticas específicas.

Enfim, a regra é a manutenção pelo magistrado da liberdade de expressão que a Constituição prevê como direito de todos. Exceções devem ser voltadas a proteger diretamente o processo, o que, indiretamente, é uma proteção aos interesses dos que buscam o Judiciário. A interpretação de qualquer norma infraconstitucional sobre a postura do magistrado precisa considerar seriamente a liberdade de expressão como direito fundamental.