Estamos em transição da ciência tradicional para a ciência aberta?
Por milhares de anos nos deparamos com a limitação do acesso à informação e ao conhecimento. Durante séculos, predominou a hegemonia da Igreja Católica como detentora de escritos científicos, onde a filosofia, a ciência e a religião eram indissociáveis. Na Antiguidade, filósofos como Platão e Aristóteles tiveram uma grande influência no fazer científico, com predominância dos conhecimentos filosóficos e religiosos para explicar as causas da natureza e do universo, e estavam acima do conhecimento científico.
A partir dos séculos XVI e XVII tivemos uma construção mais racional, onde os escritos científicos passaram a ser explicados por um método científico, fora da ótica da filosofia e da religião e mais voltados para as explicações e comprovações de fenômenos e fatos cientificamente.
Iniciou-se assim, um novo ciclo para a Ciência com a “revolução científica” (1450-1700), a partir dos séculos XVIII, XIX e XX. Alguns autores relacionam essa Revolução Científica ao advento da prensa móvel de Gutenberg. E assim conhecemos a propagação, em larga escala, do conhecimento científico e dos meios editoriais. Contudo, já há séculos estamos experienciando bens intelectuais, tais como a informação e o conhecimento, como propriedade econômica. Estamos a falar dos primeiros paradigmas científicos.
Não é a intenção precípua de trazer a esta coluna um arcabouço histórico para falarmos de ciência aberta. No entanto, o resgate por vezes se faz necessário para entendermos como se deu a restrição do acesso ao conhecimento ao longo da história humana – o que é um assunto relevante para a nossa contemporaneidade.
Na atualidade, muitos avanços científicos vêm sendo alcançados, graças aos movimentos mundiais nesse sentido, bem como marcos legais que emergiram nas últimas décadas. Obviamente, tais mudanças estão cada vez mais aceleradas em virtude das tecnologias da informação e comunicação (TICs).
Novas práticas de publicação já são discutidas há́ certo tempo, desde o advento das TICs, com o uso da internet em escala social. Mais recentemente, nas últimas décadas, observamos também a ascensão do movimento do Open Access (“acesso aberto”) em escala mundial.
Na ciência, o processo de comunicação científica é responsável por toda a governança da pesquisa científica em seu modelo tradicional. Os modelos de comunicação científica remontam do século XVII com o surgimento dos primeiros jornais científicos. Os pesquisadores utilizavam os meios de comunicação da época, a carta, para se comunicarem com seus pares, independente das fronteiras geográficas. As sociedades formadas por literários e cientistas e o surgimento das academias das ciências, criadas a partir desse momento, proporcionaram a consolidação da pesquisa acadêmica nas ciências e dos jornais para divulgar os feitos científicos.
O jornal científico foi o grande vetor de divulgação da pesquisa científica em diferentes campos da ciência. E assim, podemos afirmar que a comunicação científica formal foi e ainda é responsável pela difusão do conhecimento acadêmico-científico.
Como vimos, por séculos, predominou essa forma de difusão do conhecimento, baseada na publicação tradicional dos resultados finais de pesquisa, especialmente pelos periódicos científicos.
Tais modelos passaram por transformações e outros surgiram a partir da década de 90, com o advento da internet.
Nos dias atuais uma nova revolução na ciência, com mudanças no modo de fazer e publicar os resultados científicos, está em consolidação. Os processos e práticas da comunicação científica que, por séculos, foram estruturados em torno da mídia impressa, atualmente ampliaram-se a partir de movimentos como o Open Access, o Open Science, o Data Science e o Science Commons.
Em especial o movimento do Open Access proporcionou mudanças no modus operandi, alterando as formas de gerenciar, tratar, disponibilizar, acessar, usar e reutilizar pesquisas científicas e seus resultados finais. Inicialmente, os periódicos científicos, como principal meio de difusão da ciência, passaram a ser publicados em formato eletrônico, em seguida, acessíveis online. Mais recentemente, toma novos formatos, incluindo novos dados e documentos.
Enseja-se um novo modelo de publicação que apoia o movimento emergente da Open Science e Data Science. Estamos a falar da ciência aberta como a nova abordagem da ciência contemporânea.
Então, o fio condutor da ciência aberta é a mudança do modelo tradicional da comunicação científica – ênfase na publicação de resultados científicos – para o modelo emergente da e-Science – com foco no compartilhamento, uso e reuso de dados de pesquisa.
Além disso, outra mudança parece estar em curso: o tradicional paradigma econômico, que sustenta os direitos de propriedade intelectual vigentes, está sendo alterado para uma ideia de ciência colaborativa e do commons – que preconiza o bem intelectual, o conhecimento, como comum, público e aberto.
Em síntese, a ciência aberta é definida pela Comissão Europeia como um fenômeno internacional e um aglomerado de movimentos. Um de seus propósitos é tornar a pesquisa científica acessível e utilizável por todos. Representa uma nova abordagem para o processo científico baseado no trabalho cooperativo e em novas formas de difusão do conhecimento, usando tecnologias digitais e ferramentas colaborativas abertas.
Por ora, quero deixar a reflexão para os leitores sobre a transição da ciência tradicional para a ciência aberta.
Nas próximas colunas, iremos adentrar nas dimensões da ciência aberta, no Quarto Paradigma Científico e nos modelos de ciclo de vida de dados. Além disso, discutiremos as abordagens das tecnologias digitais e as novas acepções de direitos de propriedade intelectual.
Aproveito para indicar a leitura da minha obra Ciência Aberta, Direitos de Propriedade Intelectual e Autoria Colaborativa: a multidimensionalidade da Ciência Contemporânea. A obra traz uma reflexão sobre essa mudança atual na ciência.
Consultem a minha bio ou acessem diretamente as minhas redes sociais para encontrar editoriais sobre ciência aberta e outros temas.
Foi um enorme prazer dialogar com vocês nesse canal de comunicação.
Até a próxima coluna.