Ministro Dias Toffoli conduz audiência pública no STF sobre “direito ao esquecimento”. Imagem: TV Justiça

Após convocar especialistas para um debate sobre criptografia e bloqueios do WhatsApp no início de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF), realiza neste 12 de junho, mais uma audiência pública, agora sobre o primeiro caso de “direito ao esquecimento” que deverá ser julgado pela corte.

A discussão gira em torno da possibilidade de pessoas exigirem que seus nomes sejam omitidos de documentos, textos ou reportagens sobre acontecimentos do passado. No STF o assunto é objeto de recurso movido por familiares de Aída Curi, vítima de homicídio na década de 50, retratado em 2008 no programa Linha Direta da Rede Globo.

Aída Curi: conheça o caso que está em discussão no Supremo

Em 2008, o programa de televisão “Linha Direta – Justiça”, da Rede Globo, exibiu um documentário tratando do homicídio de Aída Curi, ocorrido em 1958. Os familiares da vítima propuseram ação de indenização por danos morais, alegando que a exibição do documentário os fazia reviver dores do passado. Pleitearam que o Judiciário condenasse a Globo a indenizá-los por danos materiais e à imagem, em razão da exploração da imagem da vítima com objetivo econômico.

Em primeira instância, a 47ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro julgou a ação improcedente, imprimindo uma derrota aos familiares de Aída. A decisão foi a de que os fatos expostos no programa eram de conhecimento público e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A Rede Globo teria cumprido com a sua função de informar e proporcionar o debate sobre o caso e que não havia comprovação de ganhos econômicos decorrentes do uso da imagem da vítima. A sentença foi mantida na segunda instância (na 15ª Câmara Cível do TJRJ).

Este julgamento não encerrou o caso. Posteriormente, o processo foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por um recurso feito pelos familiares de Aída. Ao fazê-lo, alegaram o direito ao esquecimento em relação à tragédia pela qual passaram há mais de cinquenta anos, direito esse que fora violado pela Rede Globo por meio da exibição do documentário não autorizado pelos familiares sobre o crime. Em 2013, a Quarta Turma do STJ negou provimento aos pedidos dos familiares de Aída novamente. A decisão do Tribunal mencionou a liberdade de imprensa como um dos fundamentos para o indeferimento dos pedidos.

O caso segue pendente de julgamento no Supremo, a quem os familiares de Aída também recorreram. O STF já reconheceu a existência de repercussão geral do caso, o que significa que o resultado deverá orientar os tribunais do país no assunto. Em maio de 2017, o relator do recurso interposto pelos familiares (Ministro Dias Toffoli) convocou audiência pública para ouvir especialistas sobre o tema.

E como fica o “direito ao esquecimento” na Internet?

Apesar do caso Aída Curi não envolver diretamente a divulgação de informações na Internet, a expressão “direito ao esquecimento” foi criada (e é crescentemente utilizada) para embasar pedidos que visam remover ou dificultar a busca por informações disponíveis online.

Júri simulado

Imagem: Juliana Pacetta Ruiz / Beatriz Kira

O tema também foi objeto de um júri simulado organizado pelo Dissenso.org. No evento, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi organizado um Tribunal do Júri fictício com a finalidade de promover um debate sobre a tensão entre o direito individual à intimidade e o direito coletivo à informação.

Assim como o caso a ser julgado no STF, a simulação também envolvia um crime do passado. Nela, um homem deixava a prisão após cumprir integralmente pena à qual foi condenado pelo feminicídio de sua ex-esposa. Ele desejava que um buscador de Internet deixasse de apresentar resultados ligados ao seu nome que fizessem menção ao crime, o que estaria dificultando sua reinserção na sociedade. A simulação serviu para expor importantes argumentos de ambos os lados.

Convidados para participar da atividade simulada, os advogados que atuaram na defesa das partes não puderam escolher seus clientes, tendo que desenvolver os argumentos que pareciam ser mais pertinentes, independentemente de estarem alinhados com suas convicções pessoais.

Imagem: Juliana Pacetta Ruiz / Beatriz Kira

O papel de advogado do autor foi desempenhado por Flávio Yarshell, sócio do escritório Yarshell e Camargo Advogados e professor titular de direito processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ele destacou que a pauta do julgamento era a reinserção social do autor do crime, e não a violência pela qual ele foi responsável, tendo em vista ter cumprido a pena integralmente.

A defesa do buscador foi realizada por Taís Gasparian, professora da ESPM, sócia do escritório RBMDFG Advogados e colunista do Dissenso.org. Ela destacou o interesse público no acesso à informação, base do Estado democrático de direito. Nesse cenário, a desindexação de notícias abriria precedente para que manifestações contra governos e políticos fossem ocultadas, havendo possibilidade de instrumentalização da justiça para a remoção de outras informações.

O Tribunal do Júri foi presidido pelo desembargador Carlos Alberto Garbi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e contou também com a participação de Fabiana Siviero, advogada e colunista do Dissenso.org, e Bruno Moschetta, advogado, na qualidade de testemunhas. O júri, composto por graduandos em direito de diferentes instituições de ensino, votou pelo “esquecimento”: apesar dos argumentos em favor do acesso à informação e da liberdade de expressão na rede, cinco dos sete estudantes votaram pela remoção dos resultados de busca que levavam aos links para as reportagens sobre o crime. Seis dos sete alunos consideraram, contudo, que o autor não fazia jus a indenização em face do buscador.

Aprofunde-se

Quer saber mais? Abaixo listamos todos os materiais já produzidos/organizados pelo InternetLab sobre o tema:

I. Especial Direito ao Esquecimento: série de posts publicada pelo InternetLab em fevereiro de 2017.

A. O que é o direito ao esquecimento?

B. Europa e esquecimento: desafios de implementação

C. As consequências globais de “esquecer”

D. Os tribunais brasileiros e o esquecimento

E. Direito ao esquecimento no congresso nacional

II. Colunas do Dissenso.org sobre “direito ao esquecimento”: os nossos colunistas já abordaram o tema.

A. A quem cabe a decisão do esquecimento? – por Taís Gasparian

B. Esquecimento não é um “direito”. Abandonemos essa tola expressão – por Luiz Fernando Marrey Moncau

C. O “direito ao esquecimento” e a história, ou entre o indivíduo e a coletividade – por Caroline Silveira Bauer

III. Decisões judiciais sobre “direito ao esquecimento” já julgados pelo Judiciário brasileiro presentes na Casoteca do Dissenso.org.

IV. Módulo Shut up and dance e The entire history of you: segurança na internet e direito ao esquecimento” do curso de formação “Sociedade Black Mirror – parte II” do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, a ser ministrado por Mariana Valente, diretora do InternetLab, hoje às 19:30.