Ilustração: Paola Hiroki

As redes sociais permitem que convivamos diariamente com um número muito maior de pessoas do que seria possível apenas com o contato direto. No entanto, uma boa parte do tempo que dedicamos às redes sociais é gasto em bolhas, convivendo com pessoas que pensam como a gente sobre os temas que nos interessam. Essas comunidades nos dão conforto, por estarmos entre iguais e, assim, evitamos a exposição às formas mais agressivas de argumentação. Essas bolhas acabam por reforçar nossas convicções, compartilhadas com esses companheiros.

Por outro lado, nos poucos momentos de contato na rede com o pensamento divergente, as nossas posturas parecem ser de guerra. A forma como expressamos nossas opiniões nas redes sociais contribui decisivamente para a polarização do debate político. Muitas vezes, reagimos a informações ou opiniões das quais não gostamos com rispidez, tratando os portadores das informações ou os defensores das opiniões com desrespeito. Como diferentes grupos reagem assim, cria-se uma espiral de intolerância. A cada degrau, o outro é visto como alguém a quem não devemos dar ouvidos. A democracia perde muito com isso, já que é atingida a nossa capacidade de entender o que está em jogo.

A interação em sociedade é fundamental para o nosso processo de aprendizagem. Muitas vezes, no primeiro contato com uma informação, fazemos leituras imprecisas ou distorcidas. A exposição a terceiros do nosso entendimento e as respostas que deles recebemos nos ajudam a entender melhor o tema sobre o qual falamos, já que podemos ser instados a rever as nossas fontes ou considerar outras interpretações. Em tese, assim, quanto maior a diversidade de pensamento dos nossos interlocutores, maior será a nossa capacidade de aprendizado social.

Uma pesquisa feita por professores da Universidade da Pensilvânia confirma essa ideia do aprendizado social, mas demonstra que ele é limitado quando estamos em contato com pessoas que sabemos que têm posições políticas diferentes das nossas. Os pesquisadores dividiram os participantes do experimento em quatro grupos, que foram expostos a dados da NASA sobre mudança climática, que eles precisavam interpretar, tentando chegar ao melhor entendimento possível que, para os pesquisadores, era o que se aproximasse mais da interpretação feita pela NASA. Um grupo era formado por pessoas com a mesma posição política, que respondiam individualmente às questões. Outros três grupos eram formados por pessoas com posições diferentes. Em um dos grupos plurais, o participante não sabia a posição política dos outros, nos outros dois grupos essa posição era exposta. Em um grupo, era apresentada a média dos entendimentos dos membros ao lado dos logos dos partidos republicano e democrata. No outro grupo, cada participante via informações sobre o entendimento a que chegaram quatro pessoas de quem ele sabia a posição política. Depois de responder às perguntas, havia oportunidades de repensar as respostas. No caso dos grupos plurais, nesse momento, o participante era exposto aos entendimentos das outras pessoas. Com o experimento, os pesquisadores constataram que a capacidade de entendimento dos dados aumentou quando os participantes foram expostos às opiniões dos outros, mas isso foi maior no grupo que não conhecia a posição política dos outros participantes. Nos dois grupos nos quais a posição política era exposta, os preconceitos políticos reduziram a capacidade de compreensão dos participantes.

A democracia precisa da interação, do diálogo. As questões públicas postas à deliberação precisam ser compreendidas da forma mais clara possível. A mídia tradicional faz um papel crítico fundamental, desvelando aspectos às vezes pouco evidentes dos temas, mas só há ganhos quando a cidadania é informada por diversas fontes. Nossa postura isolacionista nas redes sociais fecha espaços de confrontos de ideias, de interpretações. O resultado do isolamento é a radicalização.

Não é fácil sair da bolha, pois, como dissemos, ela nos dá conforto. No entanto, precisamos quebrar ou reduzir tais barreiras. Como outros problemas que atingem a internet, não parece haver saída para a questão do isolamento em bolhas sem a assunção de uma postura específica pelos usuários.  Precisamos usar menos o bloqueio de pessoas e dedicar um pouco mais de tempo para ler textos de veículos e de autores que sabemos ter orientação política diferente da nossa. Há custos, evidentemente. No entanto, fora as formas mais radicais e intolerantes de discurso político, que existem à esquerda e à direita, vamos descobrir o quanto é instrutivo o acesso a textos de pessoas de quem discordamos. Vamos descobrir que, do outro lado, há muito pensamento honesto. A democracia agradece.

Gustavo Ferreira Santos

Professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco. Mestre (UFSC) e Doutor (UFPE) em Direito. Foi Coordenador da Área de Direito na CAPES.