Ilustração: Caio Borges

Sociedade se organiza para expor casos recentes de censura a sites jornalísticos

Vivemos momento de retrocesso democrático. Apenas 32% dos brasileiros elegeram a democracia como a melhor forma de governo na última pesquisa do Latinobarometro, e um terço declarou, num levantamento ano passado, apoiar uma intervenção militar. Esse “espírito do tempo” favorece ideias de censura que a gente pensava já ter enterrado. Do fechamento da exposição QueerMuseu no Santander Cultural à proibição de uma peça teatral que trazia Jesus como mulher transgênero, passando pela perigosa proposta de limitar a divulgação de pesquisas eleitorais, são muitos os exemplos recentes de ataques à liberdade de expressão. Dentro desse contexto, cada vez mais autoritário, há um outro aspecto pouco visível: o crescimento de decisões da Justiça à favor da censura na internet.

Nas últimas semanas, acompanhamos duas delas:

A juíza Gabriela Jardon Guimarães, do Distrito Federal, impediu que a página Diário do Centro do Mundo (DCM) usasse o termo “helicoca” em substituição ao nome ou sobrenome do senador mineiro Zezé Perrela. O site fazia referência a episódio em 2013 em que um helicóptero da família com 445 kg de cocaína foi apreendido pela Polícia Federal.

O empresário Gustavo Macedo censurou judicialmente o portal 180 graus, do Piauí. O site tem publicado textos afirmando que a empresa de Gustavo, junto com 12 outras construtoras, está sendo investigada pelo Ministério Público e processada pelo Tribunal de Contas do Piauí por suspeita de desvio de dinheiro público. Como a ação por danos morais não provocou uma autocensura do portal, a juíza Lygia Sampaio decidiu proibir o site de citar o nome do empresário e da empresa. Com isso, Gustavo ganha uma espécie de imunidade à cobertura jornalística do site. Na visão da juíza, a censura é permitida quando a liberdade de expressão é exercida “sem consciência, responsabilidade, e com a intenção de difamar, injuriar e caluniar”. Em nova petição, reclamando que o portal noticiou que foi censurado, o empresário agora tenta fazer a justiça derrubar todas as páginas do Piauí 180.

Podem parecer dois casos isolados um ambiente de relativa liberdade de expressão. Não são. Em dois anos e meio de atividade, nosso projeto Ctrl+X registrou 452 pedidos de censura prévia na justiça – quando o autor pede que o réu seja condenado a “se abster” de publicar qualquer conteúdo. A maior parte desses pedidos foi registrada de 2012 para cá, com destaque para os períodos eleitorais. A cada campanha sobe o número de tentativas de censura, são deferidas pelos juízes em cerca de um terço dos casos. Todos os dados são públicos e podem ser consultados ou baixados em planilhas na nossa página.

Contra-ataque

O entendimento das cortes superiores, por enquanto, é o oposto ao da juíza piauiense que admite a censura em casos onde julga que a liberdade de expressão é exercida sem consciência. Um exemplo recente é a decisão do ministro Alexandre de Moraes suspendendo proibição que um juiz havia imposto a um blogueiro de criticar o prefeito de Quixeramobim, no Ceará. Em caso emblemático para a liberdade de expressão durante o julgamento da ADI 4815, que liberou a publicação de biografias não autorizadas, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, lembra que “Cala boca já morreu” e enuncia: “(…)a Constituição brasileira proíbe censura de qualquer natureza, não se podendo concebê-la de forma subliminar pelo Estado ou por particular sobre o direito de outrem”

Mas o que pode ser feito para combater o entendimento de cada vez mais juízes de primeira instância que impedem pessoas de pensar, dizer ou publicar alguma coisa? Revidar. E o revide contra a censura só pode ser a transparência: a exposição ampliada de quem tenta invocar o fantasma da ditadura para assombrar novamente as cortes brasileiras. Isso têm sido feito de diferentes maneiras:

Noticiando a censura

Dar publicidade aos casos aumenta a pressão da sociedade sobre os juízes e os autores dos pedidos. O Consultor Jurídico (Conjur), por exemplo, tem acompanhado de perto casos de ataque à liberdade de expressão e, inclusive, já foi vítima de uma série de ações para retirada de conteúdo. Os casos também aparecem ocasionalmente nos grandes veículos, como aconteceu quando Marcela Temer tentou censurar Folha de S. Paulo e O Globo. O site Pensamento.org deu um passo além e começou a republicar as reportagens censuradas do Portal 180.

Catalogando a censura

Até para ajudar na cobertura desses casos de violações à liberdade de expressão e para entender melhor o fenômeno, criamos na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) um banco de dados, o Ctrl+X, mapeando políticos e outras pessoas públicas que tentam retirar alguma publicação do ar ou impedir que algo seja publicado. Para a nossa infelicidade, já reunimos cerca de 3.000 processos do tipo. Também procuramos nos manifestar publicamente contra esse tipo de censura. Conseguimos com isso mostrar políticos, empresários e pessoas públicas em geral que mais tentam censurar a internet.

Memes

É sério. Especialmente após a proibição do DCM usar o termo “helicoca”, muitos começaram a postar em redes sociais repetidamente a expressão, com ou sem uma hashtag, e a fazer questão de encontrar jeitos criativos de mencionar o episódio (separamos alguns exemplos abaixo).

Por meio dessas estratégias para expor – e constranger – quem pede e quem defere censura no Brasil podemos exercer pressão, enquanto sociedade, para que esses indivíduos pensem duas vezes e censurem a si próprios antes de tentar evitar a expressão de outros.

Alguns dos memes a serviço de ironizar a censura:

Tiago Mali

Tiago Mali trabalha na Abraji onde é o coordenador dos cursos da entidade e do projeto Ctrl+X, que mapeia censura na internet. Formado pela PUC-SP, com pós-graduação na Universidade de Georgetown, foi repórter, editor e redator-chefe em uma série de veículos, como a Revista Época, a Revista Galileu e as páginas da ONU do PNUD no Brasil.