Imagem: novo cenário do Jornal Nacional – dupla de apresentadores de frente (via Globo Play)

Fiel ao partido high tech que caracteriza os grafismos da Globo, o novo cenário do Jornal Nacional transmite a sensação de 360º, se antecipando à realidade virtual na TV. O palco circular ao centro, iluminado por raios que se estendem em todas as direções, se aproxima da redação, organizada em bancadas na forma de raios concêntricos.

Na abertura, a proposta clean impressiona, lembra uma holografia flutuante em plano geral. Mas se complica no momento da apresentação das notícias, quando o movimento constante, em camadas ao fundo em direções opostas, perturba a atenção de quem assiste.

No plano mais fundo, um mapa mundi com texturas se desloca da direita para a esquerda. Versões do logotipo JN se sobrepõem ao mapa. Um logo sólido e claro se move da esquerda para a direita. Outro vermelho e vazado avança para o mesmo lado e também para frente.

A câmera acrescenta mais um movimento à instabilidade já instaurada pela sobreposição de camadas digitais em deslocamento múltiplo.

O resultado dificulta a atenção do espectador, solicitado a lidar com impulsos em direções contrárias e desvinculados de relação com o que se fala.

A sobreposição confusa de grafismos em movimento constante emula as dificuldades do jornalismo contemporâneo. Presa da pauta judiciária, o jornalismo não consegue ir além da reprodução diária das ações dos órgãos envolvidos ou de vazamentos de informações pelos mesmos órgãos.

O chamado 4º Poder se mantém a reboque de fatos criados no embate dos outros poderes.

Os apelos são fortes. A polícia prende em horário nobre homens brancos ricos e poderosos. Não que os jovens pobres e negros tenham deixado de ser tratados como bandidos. Mas o fato inédito é que eles não são os únicos a ir para a cadeia.

Esse espetáculo faz diferença. Mas satura as telas com ações que se assemelham a narrativas de filmes B de ação.

O noticiário deslocou a ficção. A novela das nove passou para nove e meia. A duração dos telejornais cresceu.

O interesse do público convive no entanto, com a certeza de desinformação que os capítulos diários de histórias ralentadas sugere.

Em O que nos revela a estética da delação premiada, Giselle Beiguelman e Nelson Brissac editaram um clipe que sugere a banalidade com que a delação premiada é visualmente tratada.

Essa banalidade contrasta com as sequências de busca, apreensão e/ou prisão, nas quais policiais de preto, armados e encapuzados em torno de veículos pretos movem a trama, como em filmes de ação de baixo orçamento.

Imagem: Eduardo Cunha preso (via Globo Play)

Em ambos os casos há pouco som produzido na cena e muita narração sobreposta.

O judiciário trabalha com narrativas. O jornalismo também. Narrativas alongadas, ficcionalizadas, espetacularizadas ou banalizadas.

O jornalismo poderia deixar de ser refém das notícias que chegam prontas? Como seria um jornalismo com capacidade investigativa autônoma, capaz de produzir material para além do rame-rame?

Nos últimos 50 anos, o Brasil por incrível que pareça traçou uma trajetória consistente de melhora. A queda dos índices de mortalidade infantil, o aumento de anos de escolaridade, o acesso de amplos segmentos da população à universidade, o aumento da expectativa de vida, as melhorias urbanas, a municipalização de estruturas de saúde e educação são alguns elementos que colocam o país em posição favorável quando comparado a Índia ou África do Sul.

A reversão recente dessa tendência consistente se deve exclusivamente à contradições internas? Que lugar o Brasil pode ocupar no cenário de redefinição das relações geopolíticas que se apresenta?

No fim da segunda década do segundo milênio, muitas coisas estão em cheque, inclusive as políticas neoliberais, que produziram aumento da desigualdade em diversos países. Nos Estados Unidos, o governo Obama se moveu no sentido de aumentar as estruturas de seguridade social.

Um jornalismo investigativo examinaria com independência os desafios postos para que o Brasil não coloque em risco as conquistas sociais das últimas décadas. E para que o país se assenhore do desenvolvimento sustentável e tolerante que talvez seja seu maior potencial.

Às vezes pode ser simplesmente uma questão de redirecionar as câmeras. Porque não conversar por exemplo com uma liderança reconhecida como Davi Kopenawa Yanomani, como fez a TV TRIP.

 

Esther Império Hamburger

Profa. Titular do Dept de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. PhD em Antropologia pela Universidade de Chicago. Foi Visiting Scholar no Center for Latin American Studies da University de Harvard, Visiting Professor no Center for Latin American Studies da Universidade de Michigan e fez pós doutoramento na Universidade do Texas, Austin. Fez graduação e mestrado em sociologia na FFLCH da USP. Atualmente é Coordenadora do Laboratório de Investigação e Crítica Audiovisual (LAICA) e chair da Rede UNITWIN da UNESCO e UNAOC em Media and Information Literacy and Intercultural Dialogue. Autora do livro "O Brasil antenado: a sociedade da novela". Escreveu regularmente para a Folha de S.Paulo.