A perigosa “normalização” de Bolsonaro
Segundo colocado na maioria das pesquisas de intenção de votos para as eleições presidenciais de 2018, o deputado federal Jair Bolsonaro busca se transformar em convertido convicto, embora recente, ao liberalismo econômico. Conta para isso com a ingenuidade ou o oportunismo de alguns economistas que se dispõem a ajudá-lo na operação transformista. São profissionais de menor expressão, é verdade, mas prenunciam a possibilidade de que parte do chamado “mercado” abrace a candidatura presidencial do deputado, como alternativa ao espectro que ronda o horizonte eleitoral (Luiz Inácio Lula da Silva).
Esse movimento de “normalização” de Bolsonaro, por ora apenas ensaiado, mostra como o liberalismo econômico, quando desacompanhado do liberalismo político, corre o risco de perder a bússola democrática e cair no colo de forças políticas de extrema direita. Não é preciso ir longe no tempo e no espaço para encontrar exemplos de acasalamentos dessa natureza. Foi o que aconteceu no Chile do General Pinochet, onde os chamados “Chicago Boys”(economistas ultraliberais formados na Universidade de Chicago) se aninharam em postos-chave da área econômica de uma das mais brutais ditaduras de que a América Latina tem notícias.
As personagens e as circunstâncias no Brasil de hoje são outras. A polarização política aqui existente não chega nem perto da que havia no Chile no transcorrer do governo de Salvador Allende. O mundo já não vive mais sob a Guerra Fria e sob o fantasma do “comunismo internacional”. Um golpe militar não está nas cartas do baralho da política nacional. Bolsonaro não é Pinochet (desconfio que gostaria, mas não pode nem poderá sê-lo).
Ainda assim é grave a “normalização” de um candidato que se declarou favorável ao fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, quando este era presidente; manifestou admiração por um conhecido torturador, Coronel Carlos Brilhante Ustra, por ser o “terror da presidente Dilma”, uma de suas vítimas; disse à deputada Maria do Rosário que ela não merecia “nem sequer ser estuprada”, entre outras enormidades, que dão bem a medida de quem é e do que pensa o deputado Jair Bolsonaro.
Não bastassem essas declarações para caracterizá-lo, o candidato defende armar a população e criar a figura penal da legítima defesa do patrimônio para inocentar quem cometer homicídios para proteger bens de sua propriedade. Com o perdão da mesóclise, abrir-se-iam assim, definitivamente, as portas ao faroeste caboclo.
Além disso, Bolsonaro sustenta orgulhosamente uma ampla agenda ultraconservadora em relação às drogas (endurecimento da pena a consumidores), à liberdade de expressão (cerceamento, em nome dos bons costumes) e à definição de família (restritiva aos direitos dos homossexuais).
O apoio pré-eleitoral a Bolsonaro não é sintoma apenas da deterioração das condições de segurança pública. Os que o apoiam se sentem ameaçados também pelo que consideram perturbações a uma ordem tradicional idealizada. O que os une é a adesão à truculência na área da segurança pública e à reação ultraconservadora a mudanças no plano do comportamento (em parte refletidas em direitos que ampliam o espaço das liberdades individuais).
É preciso compreender esse fenômeno para melhor combatê-lo. De um lado, importa procurar e alargar fissuras entre os seus potenciais eleitores porque eles não formam um bloco homogêneo (nem todo conservador em termos morais é a favor de armar a população, tampouco acha aceitável a tortura ou comentários sexistas e homofóbicos). De outro, se trata de impedir que a sua candidatura seja apresentada travestida em trajes respeitáveis.
O liberalismo econômico é uma doutrina que remonta ao Iluminismo e, na sua vertente originária, se desenvolveu de mãos dadas com o liberalismo político, sem dogmatismos próprios à economia neoclássica. Os seus adeptos não devem admitir a sua malversação por um candidato que representa um retrocesso civilizatório.