Ilustração: Caio Borges

Cracolândia é uma lente de aumento para a ler o imaginário da cidade e do país

Nestes nossos tempos de Bíblia, Boi e Bala, o que prevalece é a cultura do ódio. Ódio contra os gays, ódio contra transexuais, ódio contra os negros, ódio contra os pobres. Tudo isso sistematizado numa verdadeira “guerra” declarada contra os Direitos Humanos, sempre achincalhados como “direto dos manos”.

As reações — aos milhares — às ações da Prefeitura de São Paulo e do Governo do Estado na Cracolândia nas redes sociais revelam discursos preconceituosos, racistas, francamente favoráveis a políticas de extermínio. Os dependentes químicos são chamados de “tumor”, “lixo”, “câncer”.

Reclama-se o uso de armas de fogo, bombas e até tanques. Agride-se constantemente o apoio dado pela prefeitura à Parada Gay e as políticas de desarmamento feitas Governo do Estado. Majoritariamente favoráveis ao tratamento policial da questão e ao uso da força e armas letais contra os dependentes, os comentários nas redes expressam, várias vezes, o desejo de ver as mesmas políticas aplicadas a outros grupos, como nordestinos e sem terra.

Para a exposição São Paulo não é uma cidade. Invenções do centro, que inaugura o Sesc 24 de maio, com curadoria de Paulo Herkenhoff, em São Paulo, criei a instalação Odiolândia, que reúne esses comentários postados sobre as ações na Cracolândia. O título do trabalho nasceu do teor das mensagens enviadas pelo público. Nelas desvela-se um tecido social contaminado pela cultura do ódio. A Cracolândia se expande, como se fosse uma lente através da qual podemos ler um perturbador imaginário que integra a cidade e o país. Transforma-se no ovo da serpente… Através da fina membrana, pode-se ver o réptil inteiramente formado.

Comentários (preview):

E ele iria deixar aquele “tumor” no meio da cidade?

Aço nos nóia

Sejamos sensatos, tem que matar, senão não resolve.

Que coisa linda deixa a gente aqui do interior fazer isso com os sem terra mas usando a 12 com chumbo 3T.

Deveriam colocar fogo em tudo que vissem pela frente, principalmente nas barracas!

A maioria desses viciados são nordestinos… O governo precisa enviá-los para suas terras de volta.

FODA-SE OS DIREITOS HUMANOS!!!!!!!!!

Serviço: Odiolândia. Obra participante da exposição São Paulo não é uma cidade. Invenções do centro. (Curadoria Paulo Herkenhoff com Leno Veras). A partir de 19 de agosto no Sesc 24 de maio. Até 10 dezembro.

Giselle Beiguelman

Giselle Beiguelman é artista e professora Livre-docente da FAUUSP. Autora de vários livros e artigos sobre a cultura digital, como Nomadismos Tecnológicos (Ariel, 2011) e Futuros Possíveis: arte, museus e arquivos digitais (Peirópolis/Edusp, 2014). Suas obras artísticas integram acervos de museus no Brasil e no exterior, como ZKM (Alemanha), MAC-USP e MAR (Rio de Janeiro), entre outros. Site pessoal: desvirtual.com