Ilustração: Caio Borges

Nenhum político fez uso pessoal tão intenso das mídias sociais quanto Donald Trump. Não por acaso, poucos meses depois de assumir a presidência, recebeu o apelido de Tuiteiro-em-Chefe, em irônica referência à sua posição, como presidente, de Comandante-em-Chefe das forças armadas americanas.

É certo que Obama utilizou com destreza as mídias sociais, desde sua primeira campanha à Casa Branca. Mas a sua comunicação obedecia a uma estratégia e era executada por uma equipe. Obama foi um presidente, não um tuiteiro.

Trump é um tuiteiro compulsivo. Seus tweets obedecem aos seus impulsos mentais. Ainda assim, ou por isso mesmo, se mostraram eleitoralmente eficientes. Sinal de que sua peculiar forma de pensar (rasa, rápida e frenética) está longe de ser uma característica individual idiossincrática do atual presidente americano. Pode ser vista como sintoma de uma época marcada pela penetração das mídias sociais em todas as esferas da vida em sociedade.

A comunicação política foi redefinida pelas mídias sociais. Mudaram não apenas o alcance e a velocidade de difusão de mensagens, mas também a própria forma da comunicação.

Não é difícil apontar os benefícios políticos já conhecidos do universo em expansão das mídias sociais. Elas reduzem os custos da mobilização social, criam novos canais de manifestação dos interesses e sentimentos presentes na sociedade, dificultam o controle oficial das informações. As mídias sociais se têm revelado especialmente eficientes como meios para disparar alertas e permitir ações reativas de cidadãos contra iniciativas governamentais percebidas como ameaçadoras de direitos. Reações que ocorreriam com atraso e encontrariam dificuldade para se espraiar são viabilizadas em tempo hábil e grande escala pelas mídias sociais. Viralizar vídeos e imagens é das mais potentes armas de denúncia.

Mais difícil é identificar os benefícios das mídias sociais para a elaboração de visões de longo prazo, formulação e debate de programas de mudança e eleição de políticos aptos a transformar programas em processos de mudança. Governos e sociedades se ressentem de déficits nessas três capacidades.

Os desafios do século 21 vão muito além de pequenos ajustes na política e na economia. Dizem respeito a oportunidades e ameaças para o desenvolvimento da humanidade e são essencialmente globais. Bastam alguns exemplos: reduzir o aquecimento do planeta e mitigar os efeitos da mudança climática; gerenciar infraestruturas integradas em rede e por isso mesmo sujeitas a ataques cibernéticos capazes de paralisar atividades essenciais em vários países simultaneamente; responder ao risco de aceleração da desigualdade social à medida que avance a nova onda tecnológica liderada pela Inteligência Artificial.

As mídias sociais não ajudam – pelo menos não ajudaram até aqui — a produzir a reflexão, inclusive ética, a coordenação política e as lideranças públicas à altura desses e outros desafios críticos para a humanidade. A Internet, sim, representa um avanço nessa direção. O acesso sem precedentes que ela propicia a informações, estudos e debates gera condições, na sociedade e nos governos, favoráveis a que políticas públicas com maior sentido estratégico e maior base em conhecimentos empíricos disponíveis prevaleçam. Já as mídias sociais criam condições adversas à prevalência de políticas públicas com essas características.

Ao viabilizar e estimular o consumo instantâneo de informações, as mídias sociais levam as atenções das sociedades a se concentrar no curto prazo. Concentração talvez não seja a melhor palavra já que a produção incessante de informações fragmentadas leva a um estado de dispersão constante. Na voragem da produção e consumo efêmero de informações 24 horas por dia e 7 dias por semana, em que se misturam política, entretenimento, assuntos públicos e privados, se destacam as mensagens que provocam impacto imediato e reação em cadeia. Dado o estado de dispersão coletivo, devem ser tão curtas quanto possíveis. Vídeos ou textos que demandem mais do que alguns pouquíssimos minutos de atenção estão condenados à marginalidade nas mídias sociais. Trata-se de uma forma de comunicação adversa à reflexão, que requer paciência, ao conhecimento, que exige o processamento conceitual do fluxo de informações, e à elaboração, pelo debate público de ideias, de modelos mentais mais abrangentes, estruturados e duradouros, mas não dogmáticos, de compreensão do presente e projeção do futuro.

A política e os políticos não poderiam deixar de refletir essa que se tornou a forma dominante da comunicação nas sociedades contemporâneas, na maioria dos países. Nas democracias, as mídias sociais se tornaram um dos principais campos de batalha pelo voto. Recursos cada vez vultosos, técnicas cada vez mais sofisticadas, incluindo robôs inteligentes, são empregados para monitorar o estado da opinião nas redes, formular e direcionar as mensagens de candidatos segundo os critérios de eficiência definidos pelas mídias sociais: mensagens curtas, de impacto, voltadas a reforçar crenças preexistentes e estigmatizar quem não as compartilha.

Donald Trump mostrou uma ousadia sem precedente no uso pessoal das mídias sociais. Mais do que isso, transportou com sucesso a estrutura de comunicação do Twitter para outros meios. Nos debates pela TV e nos comícios de campanha, raramente proferiu frase com mais de 140 caracteres. A estrutura do Twitter limita o raciocínio, se presta à estigmatização do adversário e acolhe os slogans em berço esplêndido.

Será coincidência que, na alvorada das mídias sociais, chegou à Casa Branca um homem como Donald Trump? Há uma perturbadora afinidade entre as novas formas de comunicação e os traços de personalidade do novo presidente americano, notório pelo caráter superficial e errático do que pensa e pela dificuldade em compreender sistemas complexos, a começar pela engenharia constitucional que limita o poder presidencial nos Estados Unidos. Essa incompreensão pode vir a lhe custar o mandato. Ele então poderá tuitar: “I am fired”.

Sergio Fausto

Sergio Fausto é Superintendente Executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, co-diretor do Projeto Plataforma Democrática e co-editor da série de livros "O Estado da Democracia na América Latina". Faz parte do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint-USP) e integra a equipe de colaboradores do Latin American Program do James Baker Institute for Public Policy, da Rice University. Fausto escreve regularmente para o jornal O Estado de S.Paulo e para o Infolatam – Información y Análisis de América Latina.