Ilustração: Caio Borges

“Espere sentado. Ou você se cansa. Está provado, quem espera nunca alcança.”

Chico Buarque

O rol de direitos reconhecidos em uma democracia constitucional não é fechado, definitivo. Processos reivindicatórios podem resultar na alteração do ordenamento ou, até mesmo, na mudança de entendimento sobre normas já existentes, passando a serem reconhecidos os direitos até então reivindicados.

Além disso, nunca será possível falar que direitos já reconhecidos não precisarão mais de defesa. Os processos de reconhecimento de direitos são conflituais e, após sua consagração no sistema constitucional, remanescem resistências, que, em determinados momentos, podem redundar em movimentos regressivos, retirando direitos já consagrados.

Nesse cenário de conflitos, não é razoável esperar que posições políticas sejam encurraladas em espaços restritos, formalizados em processos administrativos, judiciais ou legislativos. O direito de petição ou o direito de ação não substitui a cidadania ativa. As instituições representativas, mesmo quando as regras de composição dos parlamentos propiciam maior pluralismo, não conseguem refletir toda a teia de interesses que forma a sociedade.

As ruas são espaços informais de participação e os protestos precisam ser protegidos. Nelas, explodem diversas demandas contidas na sociedade. Não há democracia forte sem proteções claras ao direito ao protesto. Uma democracia será mais robusta quando propiciar espaços para a manifestação do maior número possível de discursos.

O caminho precisa ser o inverso do que é atualmente adotado pelo Estado brasileiro. Hoje, as forças policiais aparentam tratar, via de regra, os participantes de um protesto como inimigos. Há uma desconfiança prévia, que leva ao embrutecimento da ação policial e à produção ou ao crescimento da violência.

Não são poucos os casos nos quais, sem qualquer motivo razoável, a polícia decide pela dissolução do protesto. O Rio de Janeiro assistiu, no último ano, a vários momentos de violência policial contra protestos de servidores, no contexto da crise financeira que o Estado vive.

Outro episódio que ilustra bem essa forma equivocada com a qual o Estado brasileiro trata os protestos é o da infiltração pelo Exército de um oficial em um grupo de jovens da esquerda em São Paulo, no ano passado. Após a prisão cinematográfica, com uma megaestrutura policial, de um grupo de 22 pessoas que se reuniam para ir um protesto, órgãos de imprensa descobriram que um dos membros do grupo, que não havia sido levado à delegacia, era capitão do Exército. Em democracias mais consolidadas, com a ideia de Estado de Direito sólida na cultura política, o fato resultaria em um grande escândalo. Aqui, houve pouca repercussão, o Exército reconheceu que monitora movimentos políticos e nada aconteceu.

Nossa Constituição não fala diretamente em “direito ao protesto”. No entanto, consagra o “direito de reunião” e a “liberdade de expressão”, que fundamentam a proteção ao protesto. O art. 5, XVI estabelece que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Como se vê, não há necessidade de pedir autorização ao Poder Público, havendo restrições apenas ao uso de armas e à existência de outro protesto no mesmo local convocado anteriormente.

O aviso à autoridade competente visa garantir o protesto e direitos de terceiros. Autoridades de trânsito vão, por exemplo, desviar o fluxo para outras vias, a depender da dimensão do protesto. Não fica impedido de exercer o direito ao protesto quem deixa de avisar a autoridade. Muitas manifestações eclodem sem planejamento, reagindo a algum fato. Cabe às autoridades amenizar, com os meios disponíveis, os efeitos colaterais do direito ao protesto para a sociedade.

A liberdade de expressão garante que um protesto não pode ser proibido ou dissolvido por seu conteúdo. Na decisão sobre a chamada “marcha da maconha”, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que existe o direito ao protesto mesmo quando dirigido a criticar a legislação penal, não caracterizando a crítica uma apologia ao crime.

Dissolver uma manifestação deve ser a última opção à disposição das autoridades. A mera existência de transtornos para terceiros não pode ser fundamento para essa decisão. Manifestações grandes causam, necessariamente, transtornos.

No entanto, a violência por parte dos manifestantes é um motivo legítimo para que as forças de segurança atuem. Isso deve acontecer sempre, como se espera do exercício de qualquer função pública, com proporcionalidade.

Nesse sentido, o recente episódio em Charlottesville, no Estado norte-americano da Virgínia, mostra o exercício abusivo do direito ao protesto. Não por suas bandeiras, que são abjetas. Por suas características, a democracia permite que os que a confrontam usem os seus canais abertos. Lembremo-nos de grupos brasileiros que vão às ruas protestar pela volta da ditadura militar. É um movimento moralmente condenável, mas está protegido. Devem, contudo, sofrer repressão quando partem para ação concreta contra instituições democráticas. No caso de Charlottesville, os atos dos manifestantes foram preocupantes: pessoas armadas e dispostas ao confronto físico ocuparam as ruas, animadas por discursos de apologia a violência contra grupos sociais específicos. Esse excesso serve, porém, como parâmetro para discussão dos contornos adequados para o entendimento do âmbito de proteção do direito.