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D E C I S Ã O
Marcela Tedeschi Araújo Temer, que, como é de conhecimento comum, é a Primeira Dama
do País, ajuizou ação em face da Folha de São Paulo (Folha da Manhã S/A) e do Jornal O
Globo, narrando, em breve síntese, que, em meados de 2016, teve o seu telefone celular
clonado, ocasião em que o responsável teria copiado todos os arquivos da memória do
aparelho, aí incluídos fotos, mensagens de texto, vídeos e outros, de conteúdo privado e
íntimo. A petição inicial esclarece que o autor de tal fato foi identificado, processado e
condenado à prisão.
Acreditando estar resolvido o assunto na esfera judicial, a autora narrou que o Secretário
Especial de Comunicação da Casa Civil da Presidência da República foi contatado pelas
empresas rés, solicitando-lhe comentário do Presidente da República acerca do conteúdo
clonado do celular de sua esposa, asseverando que esse conteúdo seria disponibilizado nos
sítios da internet desses veículos de comunicação, bem como em versão impressa. Por isso,
e ao argumento da proteção constitucional da privacidade e da intimidade, bem como ao
amparo da proteção legal da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, além da
inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas (Lei no 12.965/14 – Marco Civil da
Internet) – e não sem antes fazer referência à chamada “Lei Carolina Dieckmann” (Lei no
12.737/12), que tipifica o crime de invasão de dispositivo informático –, pediu e obteve a
concessão de liminar lavrada nos seguintes termos, verbis:
“Inicial reparo cabe ao fato de que a tutela requerida não é de cunho cautelar, mas
antecipatório. Tal fato não inviabiliza o exame da medida, pois em tudo a inicial
encaminha pretensão já madura.
Quanto aos requisitos da tutela de urgência, entendo que os fundamentos apresentados
pela parte são relevantes e amparados em prova idônea, permitindo-se chegar a uma alta
probabilidade de veracidade dos fatos narrados, eis que a inviolabilidade da intimidade
tem resguardo legal claro.
Já o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido ocorre quando não se pode
aguardar a demora normal do desenvolvimento da marcha processual. No caso em apreço
o quesito está presente diante, eis que os documentos às fls. 08 e 14 apontam a iminência
da divulgação, o que representa risco de irreversibilidade do dano.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar que
os réus se abstenham de dar publicidade a qualquer dos dados e informações obtidas no
aparelho celular da autora, isto sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00. Designe-se
posteriormente data para audiência de conciliação. Cite-se. Intime-se com urgência que o
caso requer. Confiro a esta efeito de mandado”.
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É contra essa decisão que, agora, se insurge a Folha da Manhã S/A, por meio do presente
agravo de instrumento.
A agravante argumenta, em resumo, que a decisão foi proferida no último dia 10 de
fevereiro e que somente tomou conhecimento dela no dia 13 subsequente. A matéria, no
entanto, já teria sido publicada nas versões impressa e online, daí porque argumenta que o
pedido deduzido pela autora teria perdido o seu objeto.
Quanto ao tema de fundo, a recorrente pondera que “o que a petição inicial não menciona,
convenientemente, é que todas as informações agora publicadas foram extraídas das ações
penais em andamento para apuração desses fatos, e que são públicas e de livre acesso,
tanto que vem sendo acompanhadas há meses pelos repórteres”. Sustenta que a decisão
interlocutória em exame culminou por impor “censura judicial” a órgãos de imprensa, o
que, segundo afirma, contraria os princípios da liberdade de imprensa e de informação,
garantidos na Constituição da República, e, além disso, entendimento consolidado sobre o
tema no Supremo Tribunal Federal.
Ressalta haver dano não só à atividade da própria agravante, mas, sobretudo, à
coletividade em geral, daí porque postula não só a reforma da decisão recorrida, como,
também, e de modo imediato, a suspensão de seus efeitos.
É o relato do necessário.
Seguem os fundamentos e a decisão.
Diga-se, desde logo, que o presente recurso é cabível, em face do permissivo constante do
art. 1.015, inciso I, do CPC. Por outro lado, não há que se falar em perda de seu objeto, já
que a proibição ainda subsiste, a fazer atual a pretensão recursal.
Nesta fase do processamento do recurso de agravo de instrumento, e uma vez ultrapassada
a barreira da admissibilidade, cabe ao relator analisar se estão presentes, ou não, os
requisitos para a concessão do efeito suspensivo pretendido, quais sejam, a relevância da
fundamentação recursal e o risco de dano grave ou de difícil reparação que o
pronunciamento judicial recorrido estaria a causar. Por outro lado, toca ao relator cuidar
de evitar qualquer incursão sobre o mérito do recurso em si, isto é, sobre o acerto ou o erro
da decisão resistida.
Muito bem.
Analisando o primeiro dos dois requisitos, o da relevância da fundamentação recursal, há
que se proclamar a consistência da tese jurídica desenvolvida nas razões do recurso, o que
significa dizer que, a ser acolhida a argumentação expendida pela parte recorrente, é
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provável que a decisão recorrida venha a ser reformada por ocasião do julgamento
colegiado deste agravo.
Com efeito, há que se ponderar sobre dois bens jurídicos merecedores de proteção
constitucional: o direito à intimidade e à vida privada, de um lado, e, de outro, o direito à
liberdade de expressão. O art. 5o, inciso X, da Constituição da República, dispõe,
textualmente, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”. Já a liberdade de expressão é extraível de todo um conjunto de dispositivos
constitucionais, sendo que o seu núcleo encontra conforto no art. 5o, inciso IV, do Texto
Constitucional.
Esse delicado equilíbrio já foi levado, por incontáveis vezes, à apreciação do Poder
Judiciário, em todas as suas instâncias, até chegar ao Supremo Tribunal Federal, que, em
memorável julgamento e por votação majoritária, decidiu que “as relações de imprensa e
as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no
sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo
prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de
controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual
responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras”. Não há, pois, como
consentir com a possibilidade de algum órgão estatal – o Poder Judiciário, por exemplo –
estabelecer, aprioristicamente, o que deva e o que não deva ser publicado na imprensa.
Essa liberdade, todavia, não deve ser exercitada de modo irresponsável. De fato, e assim
como é certo, por um lado, que a liberdade de expressão, “enquanto direito fundamental,
tem, sobretudo, um caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura”, não é menos
certo, por outro lado, que “a proibição de censura não obsta, porém, a que o indivíduo
assuma as consequências, não só cíveis, como igualmente penais, do que expressou”.
A ideia da responsabilização posterior por violação aos direitos constitucionais da
privacidade e da intimidade, aliás, encontra abrigo em precedente do próprio Supremo
Tribunal Federal, que, em julgamento de reclamação, pontuou que “a liberdade de
imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos
profissionais de comunicação social o direito de buscar, de receber e de transmitir
informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais, ressalvada, no entanto, a
possibilidade de intervenção judicial – necessariamente ‘a posteriori’ – nos casos em que
se registrar prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica (...)”. Nesse ponto, aliás,
cabe pontuar que, seja com base em fatos obtidos a partir da leitura dos autos do aludido
processo criminal – público – que culminou na condenação do responsável pela clonagem
do aparelho celular da autora-agravada, seja com base em fatos obtidos a partir do próprio
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celular, não há qualquer notícia, nas razões do recurso, de que a atividade jornalística da
parte agravante seja pautada por uma linha editorial irresponsável ou abusiva,
potencialmente violadora da intimidade de alguém, muito menos, no caso concreto, da
autora-agravada ou de seu marido, o Excelentíssimo Presidente da República. Caso isso,
entretanto, venha a ocorrer, sobrará lugar para eventual responsabilização civil e até
mesmo criminal, se o caso, e indenização, nos exatos moldes do que dispõe a Constituição,
a ser fixada, sobretudo e especialmente, em atenção às peculiaridades do caso concreto.
Diga-se, ainda, que, no mesmo precedente anteriormente referido, a Suprema Corte
proclamou que “o exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode
converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade
constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela
atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura
estatal”. Em outras palavras, o que o Supremo Tribunal Federal decidiu foi que não pode
haver decisão judicial liminar que culmine por inibir ou censurar a liberdade de expressão
ou de comunicação.
A abordagem ora feita é bastante para dar por satisfeito o requisito da relevância da
fundamentação recursal.
Quanto ao segundo requisito cuja análise é necessária à apreciação do pedido de
concessão de efeito suspensivo, isto é, o risco de dano grave ou de difícil reparação, insta
apontar que, pelo que se expôs até aqui, a decisão concessiva da liminar em favor da
autora-recorrida está a padecer de aparente inconstitucionalidade, já que violadora de
liberdade que se constitui em verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito.
Enquanto estiver produzindo efeito, não só o direito da parte recorrente está a correr
grave dano, na medida em que se lhe restringe o amplo direito à manifestação, como, mais
que isso, é a própria coletividade que se vê privada do direito de participar do debate
democrático decorrente do pluralismo de opiniões acerca de fato relevante.
Estão presentes, pois, e como se vê, os requisitos necessários à atuação jurisdicional
positiva e imediata, daí porque concedo o efeito suspensivo pretendido, para o fim de
suprimir a eficácia da respeitável decisão recorrida. Comunique-se ao ilustrado juízo
singular. Intime-se a agravada para, querendo, apresentar resposta a este recurso, no
prazo legal.
Publique-se.
Brasília, DF, 15 de fevereiro de 2017 16:17:16.
ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS
Desembargador