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Embora tenha proteção constitucional, o resguardo do sigilo da fonte tem encontrado algumas resistências no país nos últimos anos.  Alguns episódios – poucos, é verdade, mas que já bastam como alerta – revelam também que, para além das resistências, o conceito ainda não é claro para grande parcela da população, mesmo para magistrados.

O sigilo de fonte constitui um dos vértices de sustentação do direito de acesso à informação e da liberdade de imprensa. Esse direito, dada a sua relevância, recebeu proteção constitucional justamente no capítulo que trata dos direitos e das garantias fundamentais, e precisamente no tópico que se refere à liberdade de informação: Art. 5º. XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

O vocábulo fonte, nesse capítulo da Constituição Federal, tem então o sentido de origem, procedência. É assegurado o sigilo sobre a procedência das informações, para que fluam livremente e que todos tenham acesso a elas. É o que dispõe o texto constitucional.

O veículo e o jornalista, no exercício de sua atividade, que muitas vezes é de natureza investigativa, tem o direito de não revelar a matriz dos dados ou das notícias que veiculam. Ninguém pode ser obrigado, então, a declinar o nome da pessoa (revelar a identidade) nem a apresentar documentos ou materiais, inclusive gravações ou fotografias, que constituam a origem de uma informação.

É uma forma de proteção da informação e também daquele que faz uma denúncia ou que comunica o conteúdo de um dado sensível. Muitas pessoas não denunciam crimes ou indícios de ilícitos de que tem conhecimento por medo de represálias. Não é por outro motivo que existem diversos canais de denúncia que protegem os denunciantes sob o anonimato e, em outra seara, há os mecanismos de proteção a testemunhas.

Essa proteção ao sigilo da fonte tem uma peculiaridade. Ela diz com a ética e com a confiança que aquele que detém a informação deposita no veículo ou no jornalista. Trata-se de uma garantia ao jornalista (garantia de que não será obrigado a revelar sua fonte) que protege o informante. Ou, melhor dizendo, que protege a livre disseminação da informação.

A garantia de resguardo da fonte não é uma invenção brasileira. Muito ao contrário. Tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, contém a mesma proteção. A Declaração de Chapultepec (que dispõe no item 3 queNão se poderá obrigar a nenhum jornalista a revelar suas fontes de informação”), e a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da OEA (que dispõe, no item 8 que “Todo comunicador social tem o direito de reserva de suas fontes de informação, anotações, arquivos pessoais e profissionais”) são alguns exemplos que se destacam. Até mesmo na famigerada Lei de Imprensa, do governo militar, que foi ab-rogada recentemente pelo STF, o sigilo da fonte já era protegido. Nos EUA, igualmente, a proteção é ampla.

Por essa razão causa espanto que alguns Magistrados ainda se vejam com dificuldade de aceitar o instituto e, sobretudo, sua função – que é justamente a de proteger a fonte. Recentemente, três casos chamaram atenção pelo inusitado objetivo de “descobrir” a identidade daquele que supostamente teria fornecido  informações ao jornalista.

O primeiro caso se refere ao jornalista Allan de Abreu, do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). O repórter foi investigado pela Polícia Federal por ter divulgado escutas telefônicas referentes a um esquema de corrupção dentro da delegacia do Ministério do Trabalho em São José do Rio Preto. Com o intuito de descobrir quem teria transmitido ao repórter o teor das interceptações telefônicas, um magistrado de Rio Preto determinou não somente a quebra do sigilo telefônico do repórter, como também de toda a redação do jornal! A decisão foi posteriormente suspensa pelo STF.

Outro caso diz respeito ao jornal paranaense Gazeta do Povo, em 2015. Em razão de algumas reportagens que denunciavam desvios de conduta de agentes policiais, os jornalistas autores das matérias começaram a ser constrangidos a revelar as fontes da reportagem.

Em outubro 2016, uma magistrada de Brasília determinou a quebra do sigilo telefônico de um colunista da revista Época, que havia revelado contas secretas na Suíça. A ordem judicial tinha por objetivo identificar as fontes do jornalista, porque o jornalista teria se recusado a fazê-lo.

Em março de 2017, o Juiz Sergio Moro também incorreu na violação constitucional ao determinar a quebra do sigilo de Eduardo Guimarães, que teria, no seu “Blog da Cidadania”, divulgado a decisão de quebra do sigilo bancário e fiscal do ex-Presidente Lula. A decisão de Moro não apenas determinou a quebra do sigilo de comunicação, mas também a busca e apreensão, em endereço residencial e profissional do blogueiro, de “quaisquer documentos, mídias, HD’s, laptops, pen drives, arquivos eletrônicos de qualquer espécie (…) agendas manuscritas ou eletrônicas (…)”. Na ocasião, Moro justificou-se afirmando que Eduardo Guimarães “não ostenta propriamente a condição de jornalista”. Uma semana depois, Moro voltou atrás na sua decisão para excluir do processo que apurava a violação de sigilo, qualquer dado relativo à identificação das fontes de informação de Eduardo Guimarães, sob o argumento de que parte da atividade deste teria natureza jornalística, e que não se pode colocar em risco a liberdade de imprensa nem o sigilo da fonte.

Ainda em 2017, um episódio também chamou a atenção. Foi a divulgação de conversa telefônica entre o jornalista e blogueiro Reinaldo Azevedo com a irmã de Aécio Neves. A comunicação interceptada, com autorização judicial, era a de Andrea Neves. Mas uma de suas conversas era com o jornalista, que criticava reportagem da revista Veja, para a qual Azevedo trabalhava, e à Operação Lava Jato. Ao suspender o sigilo sob as conversas da irmã de Aécio Neves, o Ministro do STF acabou por revelar a conversa dela com o jornalista, na prática violando o seu sigilo de fonte.

Diversos outros exemplos poderiam ser citados. Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha se pronunciado por resguardar o sigilo da fonte, pipocam pelo país decisões que contrariam a Constituição Federal. Parece ser difícil a tarefa de esclarecer aos Magistrados que o sigilo da fonte não se destina a proteger tão somente o jornalista ou a identidade de seus informantes, mas a informação em si, ou melhor, a concretização do direito constitucional de informar e ser informado.

Taís Gasparian

Sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados em São Paulo. Graduada em Direito e Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Possui grande experiência em assuntos relativos à Liberdade de Expressão, com foco no contencioso cível, da Internet e no mercado publicitário. Leciona Direito Digital para Jornalistas e Direito na Publicidade na Universidade ESPM em São Paulo. Colaboradora da Universidade de Columbia/NY no Global Freedom of Expression Website. Em 2002, foi Chefe de Gabinete do Ministério da Justiça.