Ilustração: Caio Borges

Apesar de ser razoável esperar que políticos estejam acostumados aos holofotes e a tudo que “vem junto” com a superexposição para pedir e obter votos, eles normalmente se mostram muito suscetíveis a críticas mais ácidas, usualmente classificando-as como difamação. Muitos preferem reagir agressivamente, optando por trocar a dialética e o debate por tentativas de controle e repressão. A opção por essa tática me parece completamente fora de propósito no contexto pós revolução digital, em que o poder da palavra e da expressão está pulverizado e ao alcance de todos, e é exercido o tempo todo nas mídias sociais, aplicativos de mensagens e outros espaços virtuais.

Infelizmente, os exemplos de reações agressivas são muitos. Políticos de todos os grupos, vertentes e inclinações se rendem ao “canto da sereia” de que seria possível e efetivo controlar ou reprimir o que usuários comentam, opinam e compartilham a seu respeito nas redes sociais.

Mesmo que a experiência e o senso comum indiquem que estes posts têm “vida curta” na internet, gerando ruído inicial, mas desaparecendo logo em seguida no emaranhado de comentários da rede, ainda assim políticos e agentes públicos experientes têm sucumbido à tentação de (tentar sem sucesso) controlar o discurso online que os desagrada.

Em novembro do ano passado, o Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, acionou o Twitter em busca de identificação de seis usuários daquela plataforma que o teriam ofendido em seus posts ao tratar do chamado “escândalo da merenda” – um fato público de interesse da população, pois gira em torno do uso da verba de educação. Certamente, os tais seis usuários do Twitter não foram os únicos cidadãos a se manifestar contra a atuação do governador no caso. Mas apenas estes foram alvo do pedido de identificação, preparatório de futura ação por danos morais.

A partir do final do ano passado, o Prefeito da cidade de São Paulo, João Dória, começou a notificar usuários do Facebook que, a seu ver, estariam fazendo posts com “indícios de injúria, calúnia, difamação e incitação à violência“. Estas notificações buscam a “modificação ou retirada do post considerado ofensivo” e, em caso negativo, preparam o cenário para futuros processos judiciais. O advogado do caso afirmou quea maioria retira o post com a mensagem ofensiva após o recebimento da notificação.

Já neste ano, após notificações não atendidas, foi ajuizada uma ação contra o Facebook para obter a remoção do evento “Virada Cultural na Casa de João Dorian” e também a identificação dos organizadores, titulares de outra página chamada “Deixem a Esquerda Livre”. O juiz negou a remoção da página (o evento seria uma reunião legítima, sem indícios de “balbúrdia”), mas acabou deferindo e mantendo a ordem para que o Facebook identificasse os criadores do ato.

Tais recentes exemplos provocam a reflexão sobre a legalidade/adequação/utilidade (proporcionalidade!) desse tipo de estratégia jurídica adotada por políticos no exercício de cargos públicos de tamanha importância e poder.

Com todo respeito aos que pensam de modo diverso, trata-se de estratégia infeliz.

É como lançar um bumerangue, que tem o intuito de acertar algum alvo, mas volta-se justamente contra quem o lançou. Ao tentar controlar o que dizem online, os políticos obtém apenas o oposto àquilo que buscaram de início: mais e mais posts críticos, mais e mais matérias e notícias acerca da tentativa de controle, na maioria com repercussão negativa para a imagem do político, que passa a ser visto como autoritário e censor pelos usuários da rede.

Trata-se do conhecido “Efeito Streisand“: apesar de eventualmente obter a supressão de algumas manifestações, a própria estratégia torna-se notícia, repercutindo ainda mais os posts originais, e fazendo surgir novas e múltiplas postagens sobre o assunto.

É dizer, no caso do Prefeito Dória, o evento organizado por internautas ganhou muito mais notoriedade, muito mais “views” e “likes”, muito mais interessados e participantes confirmados, após as notícias da tentativa desastrada de remoção/controle de conteúdos e identificação dos criadores da página. Ora, este artigo é uma prova do Efeito Streisand no caso concreto – cá estamos escrevendo e lendo sobre o incidente, o que provavelmente não ocorreria se o mesmo não tivesse sido alvo da tentativa de supressão.

Este tipo de estratégia também utilizada no Brasil para tentar suprimir discursos críticos na internet poderia ser enquadrada no conceito norte-americano de “SLAPP” (Strategic Lawsuit Against Public Participation).

Os SLAPPs são processos iniciados por entidades, corporações, agentes públicos direcionados a intimidar ou silenciar discursos críticos. Em geral, os SLAPPs se concretizam via uma ação judicial por difamação, precedida de uma ameaça extrajudicial. Na verdade, os autores não buscam uma vitória final no processo. O mero ajuizamento é a tática, suficiente por si só para sufocar o debate público de determinado tópico: a existência do processo intimida o interlocutor, despreparado para a disputa judicial e sem meios de custear a defesa. Os SLAPPs também servem como “advertência” aos demais interessados no debate: críticas ácidas serão alvo de processos, portanto é melhor pensar bem antes de ousar se expressar (livremente?).

Esse tipo de processo é ilegal em vários dos estados norte-americanos e também em outros países por configurar estratagema para impedir o pleno exercício da liberdade de expressão. As chamadas “Leis Anti-SLAPP” buscam criar mecanismos para apenar autores de ações desse tipo (quando sem mérito) e permitir aos réus que suscitem preliminares impedindo o prosseguimento do processo e acarretando sua extinção logo de início.

Muito embora o Brasil não possua legislação a respeito, há notórios casos em que esse tipo de estratagema foi utilizado e reprimido pelo Poder Judiciário. Exemplo notório foi o caso envolvendo a Folha de São Paulo e a Igreja Universal do Reino de Deus, em que esta entidade, sentindo-se prejudicada por matérias do jornal, passou a distribuir petições padrão em seus cultos incentivando fiéis a ajuizar suas próprias ações de difamação contra o jornal, perante Juizados Especiais do país inteiro. Mesmo para a Folha de São Paulo, a defesa simultânea em dezenas de casos espalhados em pequenas comarcas do país era inviável, sendo claro que o objetivo das ações não era outro senão fazer calar a imprensa.

Evidente que há o direito de ação constitucionalmente assegurado, e este não pode sofrer impedimentos. Mas como cidadãos em um Estado Democrático de Direito, devemos estar atentos para a atuação de times jurídicos contratados por políticos para ajuizar ações contra indivíduos isolados. Tal tática pode ter por verdadeiro objetivo intimidar a participação pública no debate político na internet, o que não pode ser admitido à vista da Constituição.

É importante que o Judiciário também esteja atento a eventual abuso na utilização de demandas para defesa da “intimidade” e da “honra” de políticos por críticas e opiniões dos cidadãos. É importante que esteja atento à disparidade de armas. Apesar da garantia da defesa da honra e da intimidade e da possibilidade do ofendido buscar reparação por danos à imagem, os políticos e celebridades têm uma esfera menor de proteção, à medida que escolheram a vida pública e, por isso, devem arcar com os ônus de sua superexposição.

Mas, então, qual a melhor forma de lidar com críticas ácidas, questionamentos e ataques na internet, se não pela via da defesa judicial da honra?

Em minha opinião, desinformação se combate com mais e mais informação.

A rede é de todos e não apresenta limitação de horários, de minutos, de espaços. Que os políticos modernos e do futuro aprendam a enxergar as redes como novos e maravilhosos canais para dialogar mais, e não menos, com seus críticos e detratores, como Barack Obama fez com grande sucesso durante sua Presidência nos Estados Unidos. Eles podem falar com todos, em todos os locais, em todas as camadas sociais, em todos os grupos e inclinações políticas e filosóficas. Eles podem responder com vídeos. Podem responder com memes. Podem fazer vídeos ao vivo. Podem usar a linguagem dos usuários.

Enfim, para cada post crítico ou “ofensivo”, os políticos podem fazer muitos outros, respondendo de maneira efetiva e construtiva aos “ataques”, aproveitando para esclarecer suas ideias e plataformas, para contar suas trajetórias. Se há acusações infundadas na internet, ao ofendido e aos cidadãos que acompanham o debate público interessa muito mais ouvir as respectivas posições; que o político e agente público “ofendido” aproveite a abertura dos espaços na rede e explique porque não é isso, ou aquilo (seja “ladrão”, “coxinha”, “ditador” ou a ofensa do momento). Sim, isso seria a verdadeira democracia, a verdadeira dialética da troca de ideias para levar a uma conclusão mais informada. Isso seria muito mais dignificante à honra e imagem do ofendido do que suprimir, apagar, remover posts feitos por usuários que muitas vezes não tem como se defender apropriadamente e simplesmente desistem de debater.

Tomara que os políticos de hoje e de amanhã consigam resistir ao “canto da sereia” que, como nas lendas, parece doce e bonito num primeiro momento, mas apenas leva ao afogamento e naufrágio no final.

Fabiana Siviero

Advogada em São Paulo com 20+ anos de experiência​​ nas áreas contenciosa e consultiva de grandes escritórios de advocacia e empresas. De 2008 a 2016, atuou como Diretora Jurídica da Google Brasil Internet Ltda., envolvendo-se diretamente em diversas (e inéditas) questões do direito digital no Brasil. Atualmente, é sócia do escritório Fabiana Siviero Advocacia em São Paulo. Fabiana é bacharel (1996) e mestre (2007) em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo, lecionou em cursos de especialização na FGV Direito e é autora de artigos em livros e revistas especializadas.