Imagem: Caio Borges

A história do Conselho das Cidades, órgão integrante da estrutura do Ministério das Cidades, é reveladora da profunda relação entre a crise urbana brasileira e a forma pela qual as cidades são geridas.

Criado em 2004 com a responsabilidade de propor diretrizes gerais para formulação, implementação e monitoramento da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, especialmente nas áreas da habitação, do saneamento, da mobilidade e da gestão do solo urbano, o Conselho das Cidades é formado por representantes do poder público e de segmentos da sociedade civil eleitos durante as Conferências Nacionais das Cidades. Realizadas em etapas – municipais, estaduais e federal – estas objetivam debater a política nacional por meio de um documento base publicado no início de cada ciclo trienal.

Na prática, apesar de ter havido um avanço na constituição de um sistema de planejamento urbano interfederativo, a realidade se mostrou diferente. O sistema segue incompleto, o Conselho Estadual das Cidades de São Paulo, por exemplo, apesar de ter sido criado em 2013, logo após as jornadas de junho, até hoje sequer foi convocado. Ademais, o Conselho pouco incidiu nas decisões efetivamente estratégicas relacionadas à política urbana nacional dado que o centro de decisões se manteve em outro lugar, sobretudo nas instâncias cuja aplicação dos recursos públicos é definida.

No entanto, ao invés de enfrentar esses desafios, a história recente revela justamente uma reação oposta: o estabelecimento de uma política de exceção.

Após as eleições de 2014, o primeiro braço de ferro entre Congresso Nacional e Executivo se deu justamente em função da regulamentação da Política Nacional de Participação Social. Alguns meses depois da publicação do decreto, diante da polêmica instaurada, foi votado na Câmara dos Deputados projeto legislativo que sustou sua vigência. Os argumentos apresentados, ao invés de abordar os desafios centrais desse modelo em crise, visavam criar um factoide político questionando as regras estabelecidas que, mesmo que genéricas, basicamente permitiriam ampliar aspectos relacionados à transparência e isonomia nos processo de participação social.

Neste mesmo sentido foi editado por Temer, em junho deste ano, decreto presidencial que retirou atribuições do Conselho e da Conferência das Cidades transferindo-as ao Ministério. A competência em disciplinar a eleição dos membros do colegiado foi revogada além de adiada para 2019 a Conferência que deveria ocorrer neste ano. Ainda assim, desde dezembro de 2016 o Conselho não é convocado.

Enquanto isso, as cidades seguem como expressão da desigualdade sócio-espacial, afetando especialmente a população mais vulnerável. Estruturar e integrar políticas públicas, com foco no território, voltadas à reversão desse quadro é mais do que necessário.

No entanto, não há como dissociar a implementação de uma nova agenda urbana de uma renovação do modo pelo qual nossas cidades são geridas. Ao invés de funcionar como um órgão colegiado caberia ao Conselho, nesse contexto, se estruturar como uma Plataforma das Cidades capaz de conectar, em rede, instâncias territoriais, tais como bairros, cidades, regiões metropolitanas, estados; instâncias temáticas, tais como habitação, mobilidade, saneamento; e os respectivos fundos. Hoje esse sistema encontra-se completamente fragmentado.

Uma data no calendário nacional poderia ser estabelecida para integrar o processo de eleição dos membros da sociedade civil representativos da diversidade social brasileira. Plebiscitos e referendos poderiam ser aplicados nestes mesmos momentos para consolidar questões de maior relevância. Assembleias cidadãs, fóruns e consultas públicas, tanto presenciais como virtuais, poderiam ensejar, de forma sistemática, o debate de propostas intermediárias. Parte dos recursos públicos gastos em publicidade poderiam ser revertidos para informar a população sobre o que está em jogo e como participar destes processos.

Diante da crise política que se aprofunda, construir e experimentar alternativas é preciso.