Ilustração: Paola Hiroki

Recentemente soubemos de mais um caso de discurso de ódio e preconceito disfarçado de liberdade de expressão. Outro exemplo que, caso possua um desfecho exemplar, demonstrará a importância de assumirmos a responsabilidade sobre a emissão de opiniões nas redes sociais e de seus limites.

Com a execução de Marielle Franco, diversos veículos de comunicação têm se preocupado em identificar as fake news que, mais que notícias falsas, são atentatórias à honra e à imagem da vereadora. Referências à sua vida amorosa, à sua gravidez e ao seu envolvimento com o tráfico de drogas foram sendo desconstruídas por amigos, familiares e pela própria mídia. Esse fenômeno demonstra o perigo que a disseminação irrefletida desse conteúdo nas redes sociais pode ter para o processo eleitoral de outubro próximo.

No entanto, gostaria de fazer referência ao caso da desembargadora Marília Castro Neves, que, além de reproduzir inverdades sobre Marielle, fez comentários preconceituosos em relação à professora Débora Seabra, que tem Síndrome de Down: “Ouço que o Brasil é o primeiro em alguma coisa!!! Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de síndrome de Down!!! Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social… Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem???? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”, foram as palavras da desembargadora no Facebook.

Por causa da postagem, o Tribunal de Justiça do Rio protocolou uma representação contra Marília Castro Neves no Conselho Nacional de Justiça para que explique o teor da manifestação. Ficam as questões: será que a desembargadora não sabia que cometia um crime, para além da manifestação antiética em relação a uma categoria profissional tão desvalorizada no Brasil? Ou será que se trata de mais uma manifestação da crença na impunidade? Enquanto o discurso de ódio e o preconceito não forem amplamente rechaçados social e juridicamente, manifestações como essas, baseadas na ignorância e no preconceito, continuarão a povoar as redes sociais. Cabe, também, uma iniciativa desses espaços para coibir esses crimes. Lembro, novamente: o discurso de ódio e o preconceito não podem sustentar o argumento da liberdade de expressão. Para isso, se recomenda a todos, até mesmo à desembargadora, que retornem à Constituição de 1988, que comemora 30 anos em 2018, e reveja o que diz a lei sobre os limites dessas manifestações.

Caroline Silveira Bauer

Professora do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua na graduação e na pós-graduação. Entre 2011 e 2013, trabalhou como consultora da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. É autora de diversas obras sobre a temática da ditadura civil-militar brasileira, integrando grupos de pesquisa e investigação nacionais e internacionais.