Ilustração: Bia Leme

É extrema a desigualdade no Brasil. Reduzi-la deve ser o principal compromisso de todo e qualquer projeto nacional voltado à promoção da melhoria da qualidade de vida da população. Faz-se necessário, portanto, melhor compreendê-la. Fruto de um processo histórico que estruturou e estrutura a organização social e política do país, herança do colonialismo e da escravidão, a desigualdade se manifesta em múltiplas dimensões: sexo, raça e região, dentre outros.

Dados publicados no relatório da Oxfam Brasil, A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras (2017) revelam a dimensão destes extremos: os seis maiores bilionários do país possuem, juntos, riqueza equivalente à metade mais pobre da população, o que corresponde a aproximadamente 100 milhões de pessoas; a renda média da mulher brasileira é 40% menor do que a dos homens; apenas uma entre quatro pessoas com rendimentos acima de 10 salários mínimos são negras, sendo que das que recebem até 2 salários mínimos 45% são brancas e 80% são negras.

Regionalmente as desigualdades também são latentes: os maiores rendimentos estão concentrados nos municípios do Sudeste e Sul do país. Na escala local esses desequilíbrios também se repetem. Em São Paulo, o Mapa da Desigualdade (2017), publicado pela Rede Nossa São Paulo, revela que a expectativa média de vida da população do Jardim Ângela (zona sul) é de 56 anos enquanto que no Jardim Paulista (zona oeste) é de 79 anos. As desigualdades matam.

No entanto, as ações propostas e implementadas pelo governo federal não objetivam reduzi-las. As medidas adotadas, sob o contexto da crise, visam a qualquer custo retomar o crescimento econômico. O relatório da Plataforma DHESCA sobre os Impactos da Política Econômica sobre os Direitos Humanos (2017) aponta as fragilidades deste modelo calcado na austeridade. A agenda de promoção da cidadania encontra-se subjugada ao segundo plano. São inúmeros os casos de políticas sociais que se encontram definhadas. Paradoxalmente, do ponto de vista econômico, os efeitos tendem a ser controversos pois quanto menor as desigualdades, melhor as condições para o desenvolvimento da economia.

Para empreender ações comprometidas com a promoção da equidade o território pode assumir um papel estratégico. Áreas no Brasil que apresentam características e potencialidades semelhantes poderiam ser alvo de uma agenda de integração de programas de saúde, educação, transporte, cultura, assistência social, trabalho e empreendedorismo, entre outros.

Com objetivo de ampliar o debate cabe destacar, mesmo que preliminarmente, alguns destes territórios exemplificando com ações específicas:

i) as periferias, com programas de urbanização de áreas precárias, de ampliação de serviços e equipamentos urbanos e de ofertas de trabalho; ii) os centros urbanos, com políticas de preservação do patrimônio cultural e incentivos para provisão de moradia digna para população de baixa renda; iii) as regiões metropolitanas, com a implementação de estruturas de governança interfederativas voltadas à gestão integrada de funções e áreas de interesse comum; iv) as zonas rurais, com promoção de infraestruturas sustentáveis, incentivos à agroecologia local e à segurança alimentar; v) as áreas de preservação ambiental, com mecanismos voltados à conservação ambiental e ao desenvolvimento do turismo ecológico e responsável, além da demarcação de terras indígenas; vi) as centralidades urbanas, conformadas pelas redes de infraestrutura urbano e ambientais, voltadas ao equilíbrio dos processos de transformação urbana, conferindo maior qualidade, especialmente em áreas próximas aos eixos de mobilidade e da rede hídrica; vii) e, os territórios culturais, visando ampliar e qualificar os equipamentos e espaços públicos e comunitários.

Diversos movimentos têm se colocado diante do desafio de debater o futuro do país, especialmente a partir dos processos de renovação política. Muitos deles, além de se estabelecerem em torno de um recorte pautado na representatividade, propondo novas formas de fazer política, também enxergam e atuam priorizando alguns destes territórios. É fundamental reconhecer e fortalecer essa rede, sobretudo dos grupos comprometidos com o enfrentamento das desigualdades brasileiras.

Fernando Tulio Salva Rocha Franco

Arquiteto urbanista formado pela FAUUSP, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – São Paulo, colunista do programa Metrópolis da TV Cultura e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela FGV. Foi assessor especial do gabinete da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo durante a revisão participativa do Plano Diretor Estratégico.