Ilustração: Caio Borges

Os veículos de comunicação, os sites e os blogs têm sido bombardeados com ordens judiciais de remoção de conteúdo de seus sites ou acervos digitais, sob o pretexto de que tais pedidos estariam contemplados no assim chamado “direito ao esquecimento”. Evidente que essas ordens acabam por prejudicar o desenvolvimento desses sites e blogs, e também de jornais e revistas, além de representar um ônus para seus editores, muitas vezes pessoas físicas que não possuem estrutura para se defenderem.

Para além disso, há um problema de ordem legal: o sistema jurídico brasileiro não prevê um direito genérico de ser “esquecido”,  no sentido de uma pessoa ter o direito de limitar a difusão de informação que lhe diga respeito e que considera prejudicial ou contrária aos seus interesses. Tampouco há respaldo na Constituição Federal para que um conceito como esse seja adotado. E nem há um direito absoluto de “ser esquecido”, como se fosse um direito fundamental.

De modo genérico, e pelo que já foi discutido na Europa Continental e nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento se relaciona com o direito de requisitar aos (i) veículos de comunicação – aí incluídos veículos de imprensa e sites de Internet – a remoção de conteúdos publicados que sejam tidos como inadequados, irrelevantes ou não mais relevantes para determinada pessoa e aos (ii) chamados “buscadores”, a desindexação de informações.

No Brasil, o tema tem sido tratado de maneira não uniforme também pelo Judiciário, e tem se prestado a diversas pretensões que envolvam pelo menos algum desconforto em relação a uma informação veiculada e o anseio à respectiva supressão da Internet. Há pedidos de direito ao esquecimento que eventualmente foram acolhidos, que se referem (a) à remoção de conteúdo do acervo digital de veículos de comunicação, blogs ou sites, conteúdo ou informação essa publicada há anos, (b) à retirada, da Internet, de informações atuais, recém publicadas por veículos de comunicação, blogs ou sites, (c) à remoção de resultados de busca e (d) à proibição de veiculação de notícias.

Com relação ao último item, cabe a seguinte observação: a proibição de veiculação de notícia (item d acima) não se relaciona ao direito ao esquecimento. Antes, diz respeito à mais pungente violação do direito de expressão do pensamento e da liberdade de imprensa. Trata-se de censura. A proibição de veiculação de uma informação foi banida do ordenamento jurídico do país desde a promulgação da Constituição Federal em 1988.

Por outro lado, com relação à remoção de resultados de busca (item c acima), o Superior Tribunal de Justiça[1] já se manifestou no sentido de que os detentores das ferramentas de busca não podem ser responsabilizados por conteúdo de terceiros e nem podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados das buscas solicitadas pelos usuários[2]. O mesmo Superior Tribunal de Justiça, ao comentar a decisão do Tribunal da União Europeia proferida em 2014[3], assim asseverou: “(…) a jurisprudência oferecida pelo Tribunal de Justiça Europeu não seria adequada ao contexto brasileiro, dada as grandes diferenças nas premissas legislativas que partem ambas as situações. A principal, diga-se, é a ausência de uma lei específica voltada para a proteção de dados pessoais dos cidadãos brasileiros”.

Resta, então, a análise dos itens (a) e (b) das hipóteses de remoção citadas.

A Constituição Federal prestigia o direito à informação e a liberdade de expressão. A informação, de modo geral, atingiu tal grau de prioridade no Estado Democrático, que a CF assegura aos cidadãos o direito de exigir informação. É nesse sentido o artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal. Por outro lado, a Constituição Federal não permite a destruição de arquivos, como o seria qualquer ordem de remoção de conteúdo de acervos digitais ou de blogs ou sites em geral. Ao contrário, o artigo 216 expressamente dispõe constituírem “patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial”, que se referirem “à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, além de determinar que ao poder público cabe a promoção e a proteção do “patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação[4].

Por qualquer ângulo que se olhe, percebe-se que não há acolhimento, na Constituição Federal, de teses ou ordens judiciais de remoção de conteúdo ou de supressão de notícia.

O acolhimento do “direito ao esquecimento” sob a roupagem de se tratar de conteúdo “ofensivo”, “irrelevante” ou até mesmo “errado”, é descabido. Porque todos esses são conceitos subjetivos. Um político poderá achar que a permanência de uma notícia sobre si, que comentava caso de corrupção, seja ofensiva, enquanto outros verão nisso informação de interesse público. Mesmo com relação ao termo “irrelevante”, quem poderá dizer que um fato ou informação seja, no futuro, desprezível ou sem importância?

A pergunta que se apresenta quando se toca no assunto “direito ao esquecimento”, é a seguinte: a quem a sociedade brasileira estaria disposta a delegar o poder de decidir o que será ou não lembrado no futuro?

[1] AgInt no RECURSO ESPECIAL nº 1.593.873/SP, julgado em novembro de 2016, STJ.

[2] No entender na Ministra NANCY ANDRIGHI na decisão acima referida, “(…) em razão das características dos provedores de aplicações de busca na Internet, acima resumidas, este Superior Tribunal de Justiça entendeu que os provedores de pesquisa: (i) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão (REsp 1.316.921/RJ, Terceira Turma, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012)”.

[3] No processo movido por Mario Costeja González contra Google Spain, S.L. e a Google Inc., o Tribunal Europeu determinou ao Google que suprimisse resultados de busca. O processo dizia respeito ao fato de que alguns dados pessoais relativos ao Sr. Gonzalez foram publicados por um jornal espanhol, em duas das suas edições impressas em 1998, ambas republicadas numa data posterior na sua versão eletrônica disponibilizada na Internet. O sr. González entendeu que essa informação não devia continuar a ser exibida nos resultados apresentados pelo mecanismo de pesquisa utilizado pelo Google, quando era feita uma pesquisa do seu nome.

[4] Art. 216 e § 1º da Constituição Federal.

Taís Gasparian

Sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados em São Paulo. Graduada em Direito e Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Possui grande experiência em assuntos relativos à Liberdade de Expressão, com foco no contencioso cível, da Internet e no mercado publicitário. Leciona Direito Digital para Jornalistas e Direito na Publicidade na Universidade ESPM em São Paulo. Colaboradora da Universidade de Columbia/NY no Global Freedom of Expression Website. Em 2002, foi Chefe de Gabinete do Ministério da Justiça.