Decisões judiciais impedindo veículos de divulgar informações se tornam mais comuns e ameaçam liberdade de expressão.

Em 10 de fevereiro, após ser contatada pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo para ser ouvida a respeito de notícia relacionada ao caso de roubo de dados do seu celular, a primeira-dama Marcela Temer entrou com ação pedindo que a Justiça do Distrito Federal censurasse as reportagens antes que fossem publicadas. Menos de 30 minutos após receber o processo, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho determinou que os jornais se abstivessem de publicar os textos e, posteriormente, que retirassem o conteúdo que já havia entrado no ar.

Não nos interessa aqui entrar em detalhes sobre o caso, mas sublinhar que ações como a de Marcela Temer, pedindo censura prévia, estão longe de ser exceção no Brasil. Há pouco tempo, seria impossível fazer esta afirmação categoricamente. Agora não é. Desde 2014, a Abraji monitora, por meio da ferramenta Ctrl+X, processos que tentam retirar informações da internet e/ou impedir que elas sejam publicadas. Por meio de raspagem de dados de sites de tribunais e de informações passadas por veículos de comunicação, já catalogamos mais de 2.500 processos desse tipo. Boa parte é relacionada a políticos e ocorreu durante campanhas eleitorais, período no qual os candidatos mais tentam determinar a supressão de informações desabonadoras sobre eles.

Entre essas ações, identificamos até agora 364 tentativas de censura prévia. Apenas em 2016, foram 124 processos requisitando que veículos de mídia se abstivessem de publicar algum tipo de conteúdo. Desses, 31 (25%) foram deferidos, a exemplo do que ocorreu no caso de Marcela Temer. Em 2014, ano das eleições anteriores, foram 102 processos, com 26 (25%) deferimentos.

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Antes de Marcela Temer, o caso mais notório do tipo foi a censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2009. O veículo ficou impedido de publicar reportagens sobre a investigação da Polícia Federal contra Fernando Sarney, filho do ex-presidente, na época investigado num escândalo de corrupção. Entre esses dois casos, no entanto, uma série de tentativas de censura não chegou ao conhecimento da opinião pública.

Em 2016, por exemplo, o prefeito recém-cassado Daniel Netto Cândido, da cidade de São João Batista (SC), conseguiu na justiça impedir que uma notícia relacionada aos motivos da sua cassação fosse veiculada por uma rádio local durante a campanha eleitoral. Após censurar o veículo, o prefeito cassado se reelegeu. Em outro caso, investigados da Operação Zelotes obtiveram decisão impedindo a menção de seus nomes em matérias jornalísticas. Também em 2016, uma decisão impediu o jornalista Marcelo Auler de publicar reportagens críticas à Operação Lava Jato.

Se incluirmos pedidos de censura negados temos ainda mais exemplos do descaso de políticos com a liberdade de expressão. O prefeito eleito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, por exemplo, tentou na justiça tirar todo o site do jornal O Globo do ar durante a campanha de 2016. Antes, já havia processado o Facebook, tentando obrigar a empresa a criar filtros que impedissem a publicação de postagens com o seu nome ligados a termos depreciativos. O mesmo tentou fazer o prefeito reeleito de Niterói, Rodrigo Neves Barreto, que entrou com 10 ações contra perfis na rede social, pedindo a proibição da publicação “de termos ofensivos à sua honra”. Na eleição de São Paulo, o candidato Celso Russomano tentou cercear a busca do Google “Celso Russomano bar do alemão”, referência ao escândalo que o atingiu durante a campanha.

Esses casos mostram que existe em curso uma reação crescente, partindo especialmente de políticos, à divulgação de informações por meios digitais. Se a internet tem possibilitado uma criação e difusão cada vez mais rápida de notícias, comentários e opiniões, pessoas públicas têm também recorrido cada vez mais à justiça para suprimir essas informações e impedir que sejam divulgadas. Nosso papel, enquanto sociedade, é fiscalizar os abusos e não permitir a escalada de ações que têm promovido a volta da censura.